Justa causa - MIRIAM LEITÃO
Geral

Justa causa - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 27/08

O ministro Antonio Patriota errou muito, e por muito tempo, neste caso do senador boliviano. Deixou a situação ficar insustentável, permitiu que a Bolívia, desrespeitando leis internacionais, criasse uma situação inaceitável. A Bolívia fingia negociar e protelou por mais de 450 dias a emissão do salvo-conduto após o asilo concedido pelo governo brasileiro.

Uma pesada punição pode acabar recaindo sobre o ministro conselheiro Eduardo Saboia por quebra de hierarquia. Será injusto, mas ele estava ontem à tarde preparado para ela. Disse que não pensou em sua carreira, mas nos direitos humanos desrespeitados e na dignidade do Brasil que viu ofendida nesse caso.

Era a sala do telex. Pequena, de 20 metros quadrados, sem banheiro. Neste local, o senador boliviano Roger Pinto Molina ficou 452 dias. Uma semana depois de pedido, o asilo foi concedido. Pela Convenção de Caracas, o governo boliviano tinha que ter dado o salvo-conduto. É o que diz o Direito Internacional. A Bolívia não concedeu e ainda fez exigências ao Brasil.

Uma delas é que o embaixador brasileiro fosse afastado. Ele ficou meses no Brasil. Enquanto isso, a situação foi ficando insustentável, porque Molina estava abrigado não numa casa, mas no escritório da embaixada: um prédio no centro da cidade. No fim de semana, não havia expediente. Ele nunca pôde tomar banho de sol. O embaixador brasileiro e depois o encarregado de negócios tinham que controlar visitas.

- É insuportável trabalhar com uma pessoa prisioneira ao seu lado. O Brasil concedeu o asilo, o governo boliviano se negava a dar o salvo-conduto. Vim ao Brasil duas vezes, falei inúmeras vezes e senti total indiferença pela situação de crônico desrespeito aos direitos humanos que eu estava vendo ao meu lado. A Bolívia fingia que estava negociando; a negociação era um faz de conta - me disse o encarregado de negócios do Brasil na Bolívia, ministro conselheiro Eduardo Saboia.

O senador Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores, que acompanhou todo o caso até o seu surpreendente desfecho neste fim de semana, disse que a decisão de Saboia foi tomada diante da "ausência absoluta de solução" e porque a situação havia ficado "inadministrável".

- A situação chegou onde chegou pela indiferença diante do fato de que a Bolívia não reconheceu o asilo concedido. Saboia entrou no carro com o senador e viajou 1.600 km até Corumbá, correndo riscos porque atravessou a região de Chapera, dominada pelos produtores de coca, que haviam sido denunciados pelo senador Pinto Molina - explicou o senador.

O governo brasileiro, mais uma vez, se curvou diante da Bolívia.

- Nós demos um cheque em branco para a Bolívia. Temos engolido tudo e são vários episódios. O Brasil estava se rebaixando diante da Bolívia - disse Saboia.

Uma atitude assim como a de Saboia não é comum na diplomacia, uma carreira hierarquizada em que o mais fácil é dizer "eu cumpro ordens". Enquanto a Bolívia ignorava os pedidos do Brasil pelo salvo-conduto, e fingia negociar, protelando a decisão, o governo brasileiro convidava a Bolívia para o Mercosul. O governo brasileiro tem confundido ser solidário com um país pequeno e pobre com aceitar que ele não respeite o Direito Internacional e humilhe o país.

- Risco de punição? Não pensei nisso. Não fiz cálculo profissional. Pensei em direitos humanos e na dignidade do meu país - disse Eduardo Saboia.

No final da noite, o ministro Antonio Patriota caiu. A presidente escolheu um diplomata experiente e no qual tem total confiança, Luiz Alberto Figueiredo, que foi negociador do clima.




- Onde Está O Senador Roger Pinto Molina? - Maristela Basso
GAZETA DO POVO - PR - 06/06 Oposicionista do presidente Evo Morales, o senador Roger Pinto Molina tornou-se alvo de perseguição quando denunciou a ligação do governo boliviano com o narcotráfico. Passou a ser perseguido com acusações de corrupção,...

- Uma Fuga Inédita - Luiz Felipe Lampreia
FOLHA DE SP - 01/09 O Brasil deveria ter feito exigência mais enérgica da concessão de salvo-conduto pela Bolívia, em cumprimento ao direito internacional O caso da fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina é inédito na história diplomática...

- Mal-estar Diplomático - Janiffer Zarpelon
GAZETA DO POVO - PR - 31/08 A fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina de La Paz para o Brasil gerou um mal-estar entre o Palácio do Planalto e a cúpula do Itamaraty. Após ser condenado a um ano de prisão por corrupção na Bolívia, o senador...

- Fora Do Tom - Miriam LeitÃo
O GLOBO - 28/08 As declarações da presidente Dilma Rousseff contra os argumentos do ministro conselheiro Eduardo Saboia foram descabidas e contraditórias. Uma chefe de Estado não deveria estar em público debatendo com um funcionário e, pior, ao...

- Um Dos Piores Momentos Da Diplomacia Brasileira - Editorial O Globo
O GLOBO - 28/08 Salvo provas em contrário, o governo aceitou passivamente, de forma vergonhosa, o papel de carcereiro do senador de oposição ao companheiro Evo Morales Embora haja ainda muito a esclarecer sobre a história da retirada do senador boliviano...



Geral








.