Por Altamiro BorgesApresentado pelo governo Dilma, que novamente se curvou diante da pressão internacional, o projeto da "lei antiterrorismo" vai adquirindo contornos cada vez mais preocupantes. Previsto para ser votado na próxima semana no Senado, ele poderá representar um duro golpe nos movimentos sociais, sendo utilizado como instrumento legal para criminalizar as lutas dos trabalhadores. Protestos e greves, por exemplo, poderão ser classificados como atos terroristas, com pesadas punições. Diante deste grave risco, o conjunto do sindicalismo e dos movimentos sociais se mobiliza para derrotar a medida de cunho autoritário. A batalha principal é para retirar a urgência na votação do projeto de lei.
A proposta inicial foi formulada pelo Executivo, que alegou forte pressão dos órgãos internacionais, como o Financial Action Task Force (FATC, ou Gafi, em francês), pela aprovação de normas para o combate ao terrorismo. Em visita ao Brasil neste ano, dirigentes do FATC intensificaram a cobrança, ameaçando o país com sanções econômicas. O órgão, que expressa a visão belicista das potências capitalistas, chegou a ameaçar incluir o país em uma "lista negra". Diante da chantagem, setores do governo Dilma, encabeçados pelo Ministério da Fazenda, optaram pelo recuo.
Na versão inicial, que foi aprovada na Câmara dos Deputados, o projeto ainda garantia uma proteção formal às manifestações políticas e aos movimentos sociais. Ele estabelecia que a lei antiterror "não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades". Mesmo assim, o projeto já era perigoso, dando brechas para as inúmeras interpretações da lei.
No Senado, porém, esta situação ficou ainda mais grave. O relator do projeto, Aloysio Nunes (PSDB-SP), retirou a "proteção" prevista inicialmente. Em entrevista à Folha, o tucano - que militou durante a ditadura em grupos armados de esquerda, mas hoje é um dos expoentes da direita - justificou o veto. "Essa exceção seria objeto de ridículo universal; essa lei teria criado o terrorismo do bem". Na versão do relator, o chamado terrorismo adquiri uma caracterização mais genérica e ampla e as penas previstas são pesadas, podendo chegar a 30 anos de reclusão.
Para os movimentos sociais brasileiros, a projeto de lei representa um grave risco à democracia. "No Chile, uma lei semelhante foi usada para reprimir e prender líderes indígenas, e posteriormente ela foi repudiada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos", alerta Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da Conectas. Ele explica que não é necessário criar uma lei para tipificar este crime, já que todos os atos de terrorismo estão previstos no código penal. "Esta lei vai ser usada pelo Estado para criminalizar e restringir movimentos reivindicatórios de qualquer natureza", conclui.
Com a mesma preocupação, a ONG Artigo 19, uma entidade internacional que luta pela liberdade de expressão e manifestação, divulgou nesta terça-feira (20) um texto que alerta para os perigos da nova lei. Vale conferir:
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Está na pauta do Senado para votação o projeto de lei (PL) 101/2015 (originalmente PL 2016/2015), que cria o crime de terrorismo no Brasil. O projeto, elaborado inicialmente pelo Executivo, com o apoio dos ministérios da Justiça e da Fazenda, foi aprovado na Câmara dos Deputados em agosto e prevê penas de 12 a 30 anos para quem praticar atos definidos como terroristas.
Inicialmente, o projeto definia como atos terroristas aqueles motivados por “razões de ideologia, política, xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou gênero” e que tivessem por finalidade “provocar o terror, expondo a perigo a pessoa, o patrimônio, a incolumidade pública ou a paz pública ou coagir autoridades a fazer ou deixar de fazer algo”.
Após pressões da sociedade civil, que apontaram que o projeto poderia servir como instrumento de criminalização de movimentos sociais e de protestos, o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados com alteração em seu texto para suprimir as razões ideológicas e políticas das motivações e incluir um parágrafo que expressamente exclui da abrangência da lei “manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios”.
O PL, contudo, ainda apresenta enormes riscos para o direito de manifestação e para movimentos sociais. Isto porque duas emendas apresentadas pelo Senador Humberto Costa (PT-PE) trazem o retorno das razões ideológicas e políticas para configuração de ato terrorista, o que aumenta demais a abrangência da figura de terrorismo, podendo englobar a ação de movimentos sociais e manifestantes durante protestos.
Também o Senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), novo relator do projeto, redigiu versão preliminar do relatório do PL, a ser apresentada nesta segunda-feira (19), que inclui a motivação ideológica, aumenta a pena mínima para 15 anos e ainda retira o parágrafo que exclui manifestações políticas e movimentos sociais da abrangência da lei.
Além disso, o próprio texto aprovado na Câmara (e que será votado amanhã no Senado, juntamente com as emendas) traz conceitos abertos como “provocar terror social ou generalizado” para a caracterização do crime de terrorismo, dando margem para que a lei seja aplicada de forma arbitrária para coibir manifestações sociais legítimas.
É importante ressaltar que o projeto na realidade não cria nenhum crime novo. Todas as condutas que a lei traz como sendo práticas terroristas já são puníveis pelo nosso Código Penal, o que inclusive levanta reflexões sobre sua necessidade. Com o cenário de criminalização de movimentos sociais e manifestantes que tem se intensificado desde as jornadas de junho de 2013, a preocupação da sociedade civil é que essas iniciativas busquem reprimir ainda mais os protestos no país.
Em suma, o PL 101/2015 continua representando um grave risco para o direito de protesto e para os movimentos sociais e, por isso, é essencial que haja um debate mais qualificado junto a toda sociedade antes de que o projeto seja votado no Senado. Somente dessa maneira é possível evitar a aprovação de um texto inadequado que pode colocar em risco liberdades democráticas.
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