LEITOR CHATEADO PORQUE "FEMINISMO É UM MOVIMENTO DAS MULHERES"
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LEITOR CHATEADO PORQUE "FEMINISMO É UM MOVIMENTO DAS MULHERES"


O A. me enviou um email bravo no final de abril:

"Eu e minha esposa costumamos sempre ler seus posts. Acho muito interessante e já aprendi muitas coisas. Nem sempre concordo com você, mas sempre é informativo.
Resolvi escrever para expressar uma insatisfação e uma profunda tristeza que venho sentindo não com relação ao feminismo propriamente, mas às feministas de um modo geral. Algumas feministas, inclusive nos comentários do seu blog, escrevem como se todos fossemos monstros machistas, estupradores em potencial. Isto me entristece profundamente. Por ter nascido com o sexo masculino sou um ser desprezível, não posso ser um ser humano decente?
Então, no dia 13/04, eu e minha esposa fomos a SP ao Encontro Feminista, organizado por alguns grupos que têm páginas feministas no Facebook. Com o decorrer do evento, observando as diversas falas, sempre de mulheres, pude perceber que o discurso é sempre voltado às mulheres, que as diversas propostas de ação e tomada de atitude diziam respeito ao que as mulheres devem fazer, a como as mulheres devem se comportar.
Eu sei que a presença no evento era majoritariamente de mulheres, mas me senti excluído e fiquei pensando, 'Tudo bem, é preciso que as mulheres tenham consciência, que se envolvam, mas e os homens? Eles devem ficar de fora do processo, eles não devem mudar seu comportamento, eles não devem educar seus filhos de modo diferente? O que estou fazendo aqui então?'. No intervalo falei para minha esposa, 'Acho que o feminismo não é um movimento pelas mulheres, é um movimento das mulheres!'.
Sei que estou me alongando, mas antes de continuar, deixe-me falar um pouco sobre mim. Sou sociólogo; nunca, de fato, estudei o feminismo ou li nada escrito por feministas, mas sei por formação que toda diferença entre os sexos e os gêneros é uma construção social. Além de estudar há dez anos leciono no ensino superior, sempre em minhas aulas trato de discutir os nossos diversos preconceitos, procuro instigar uma percepção crítica por parte dos alunos, enfim, eu acredito, de verdade, que contribuo para tornar algumas pessoas um pouco melhores com relação a estas questões.
No momento, eu, que sempre falei que sou feminista, inclusive em todas as turmas que dei aula, acho que vou abdicar do rótulo. Vou deixar isso para as mulheres. Vou continuar minha luta por uma sociedade menos racista, menos classista, menos homofóbica, enfim, mais igualitária, mas penso em não falar mais da opressão que sofrem as mulheres. Afinal sou um monstro estuprador em potencial, meu sexo me define.
Agora, o que mais me entristeceu no evento feminista em São Paulo foi a mesa de discussão da qual 'participei' após as palestras iniciais. Logo no início, a moça que organizou o debate pediu, muito delicada e educadamente, devo confessar (aliás, ela era muito articulada, inteligente e respeitosa com as manifestações diversas), que os homens presentes, éramos três, evitassem se manifestar porque, afinal, 'era um evento feminista e as mulheres são oprimidas e ensinadas a não se posicionarem e exporem suas posições em sociedade em que os homens são criados para serem protagonistas'. 
Tudo bem, fiquei ressentido e quieto, ouvi e me calei. Mas, para piorar, ao final, quando todxs já rumavam para a saída, pensei ter ouvido uma das participantes comentar com a moça que organiza a mesa que, nas próximas discussões, 'Seria legal restringir a participação ao público feminino'.
Confesso que na hora pensei que eu devia estar chateado e que devia ter entendido mal, ou imaginado, que a participante tivesse dito aquilo. Para minha surpresa, logo depois minha esposa, sem que eu tenha lhe dito o que ouvira, se disse espantada por ter escutado exatamente o mesmo.
Enfim Lola, fiquei, estou, muito chateado. Não posso ser homem e lutar pela igualdade entre homens e mulheres, não posso participar ou me manifestar sobre o tema. Eu realmente fiquei bem magoado.
Só resolvi escrever hoje porque acabo de ler, há pouco, este guest post em que a autora afirma, mais de uma vez, que todos, ou melhor, 99,99% dos homens, são machistas depravados, aproveitadores e violentadores à espreita de uma oportunidade.
Que m*rda, o que foi que eu fiz? Sou homem e portanto sou lixo? Devo me incluir entre os que denominam as feministas de feminazi? Poxa, vocês não afirmam sempre que o feminismo não é um movimento contra os homens, que é um movimento pela igualdade?
Desculpe Lola, eu acredito que você não veja as coisas deste modo, mas eu precisava desabafar com alguém além de minha esposa."

Minha resposta: Vc deve saber que há inúmeras feministas que discordam entre si, que o feminismo é muito plural. Eu só posso falar por mim. É impossível, na minha visão, mudar o mundo sem os homens. Eu acredito em homem feminista, creio que é perfeitamente possível e aceitável que homens sejam feministas, e de jeito nenhum barraria os homens de qualquer espaço feminista. Minha única restrição é que homens feministas não devem ser líderes no feminismo. Seria como se eu me juntasse a algum movimento negro ou LGBT e assumisse uma posição de liderança. 
Seria estranho, já que sou branca e hétero. Mas creio que todos os movimentos precisam de simpatizantes. Só que o protagonismo deve ser das mulheres no feminismo, dos negros nos movimentos negros, dxs LGBT nos movimentos LGBT, dxs trans nos movimentos trans, e por aí vai. 
Tem uma frase que vi em algum blog americano e com a qual concordo muito: os homens, em vez de buscarem uma posição de destaque no feminismo, devem usar a posição de destaque que têm no mundo para lutar pelos direitos das mulheres.
Sobre o encontro em SP, não estou envolvida. Tuitei o convite para o encontro e o artigo da TPM sobre ele, e falei um pouquinho por email com duas organizadoras. Em fevereiro, uma delas entrou em contato comigo porque elas estavam começando a pensar no evento e já estavam sendo criticadas porque haveria homens nas mesas, na proposta inicial. Eu respondi que não via problema algum em ter alguns homens palestrando num evento feminista (ainda mais porque os homens que iriam palestrar seriam homens trans!).
Conversamos um pouco sobre isso e ela passou minha opinião à organização do evento. Quando vi os nomes no final de março, vi que não haveria homens palestrando (não sei porquê), mas achei muito bons os temas, muito inclusivos, porque celebravam a interseccionalidade, e contemplavam negras, lésbicas, e trans. 
Talvez, prum próximo encontro, possa haver um tema como "homens no feminismo", ou "como trazer mais homens para a luta das mulheres", ou "como o machismo também afeta os homens", ou "como eu, homem, me descobri feminista", ou "o que os homens fazem pelo feminismo".
A inclusão de homens no feminismo varia muito de grupo pra grupo. Faço parte do grupo de Blogueiras Feministas, que tem mais de 800 membros. Lembro que tivemos uma discussão, no começo, sobre se aceitaríamos ou não homens feministas. A maioria das participantes presentes naquela época disse que sim, deveríamos aceitar. E temos homens no grupo, sempre tivemos (não sei quantos).
Sei que no orkut havia, ou há, duas comunidades grandes de feminismo (nunca fiz parte, até porque nunca frequentei muito o orkut). Uma parece ser bem mais radical que a outra. Essa mais radical proíbe a participação de homens, a outra não. Pelo que sei, era uma comunidade só que se partiu no meio por conta dessa discussão. 
Entendo que alguns espaços unicamente femininos possam ser necessários. Por exemplo, quando é um grupo menos político, mais "acolhedor", um grupo de apoio para compartilhar experiências pessoais sobre estupro. Nesse caso, as participantes sentem-se melhor falando só com mulheres. Assim como há grupos de homens que discutem a violência doméstica e são só de homens. Ou o Men Can Stop Rape, que é (quase) só de homens. 
Mas em grupos abertos, mais políticos, não gosto dessa divisão. Não me lembro de ter dado alguma palestra na minha vida só pra mulheres. E acho que o número de leitores homens no meu blog deve ser de uns 35%, ou até 40%. É muita gente. Infelizmente, creio que 95% dos trolls também são homens...
Como não me canso de repetir, não tenho nada contra homens, muito pelo contrário. Mas tenho contra um certo modelo de masculinidade (e de feminilidade também, mas acredito que o modelo de masculinidade é mais danoso ao mundo).
Respire fundo e tente não levar pelo lado pessoal. Aceite que, assim como há muitos tipos de homens e de mulheres, também há muitos tipos de feminismos.

Enfim, tudo isso acima foi o que te respondi na época, A. Mas agora, depois de reler seu email, tive a nítida impressão que vc foi chorão demais, e eu, suave demais com vc. Me dei conta disso quando pensei no título para este post, que até pode ser injusto, mas você disse isso. E, desculpe te decepcionar, mas o feminismo é sim um movimento de mulheres e pelas mulheres. Não só de e pelas mulheres, mas principalmente. Como eu já disse várias vezes, acho que não dá pra ser feminista, hoje, sem lutar também contra outras opressões. Assim como um movimento negro, por exemplo, que lutar apenas contra o racismo, esquivando-se de lutar também contra o machismo e a homofobia, será incompleto, pois deixará de apontar fatores interligados com o racismo. 
Putz, mas veja a extensão do seu mimimi, A. Você critica a raiva que a autora de um guest post expressou ao ser estuprada por um amigo. Ela havia passado por isso há poucos dias. Todos seus outros amigos que estavam na festa viram e não fizeram nada. Você não acha o ódio dela naquele momento nem um pouco justificável? Tudo tem que ser sobre vc, sobre os seus sentimentos? 
Aí vc critica uma participante daquele encontro de abril por ter sugerido, em privado, para uma das organizadoras, que o evento fosse só para mulheres. Por que o que ela falou em particular deve ser representativo de todas as feministas? Ela não pode dar sua opinião? Pelo jeito não, porque corre-se o risco de um homem ouvi-la, ficar muito chateado, e dizer que não aceita ser tratado como lixo.
Até agora, em 2013, fui palestrante em 40 eventos feministas, entre mesas redondas, debates, palestras, encontros etc, em três regiões do país, em quase 20 cidades. Em nenhum desses eventos falei só para mulheres, nem houve qualquer pedido para que homens não se manifestassem. Quase sempre, na parte de perguntas do público, algum participante falava, ou perguntava, sobre homens no feminismo. 
Talvez todos esses homens tenham a humildade para aceitar que são privilegiados, e que habitam um mundo em que eles têm muito, muito espaço. Eles entendem que, com todo esse espaço à disposição, não precisam ocupar mais um -- o protagonismo no feminismo, que cabe às mulheres.




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