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Lições para civilizados - JORGE FONTOURA
GAZETA DO POVO - 11/02
Gibraltar, minúscula possessão britânica ao sul da Península Ibérica, na estratégica passagem entre o Atlântico e o Mediterrâneo, tem sido o pomo da discórdia entre espanhóis e ingleses há 300 anos. Não há como desconhecer que o enclave guarda nítido contorno de raro colonialismo, bem no canto nevrálgico da União Europeia. E, como são comuns problemas entre vizinhos desgostosos, recentemente Gibraltar lançou ao mar blocos de concreto, turbando a pescaria espanhola, o que gerou reação virulenta de Madri, com a criação de obstáculos ao trânsito pelo lado terrestre. Foi o que bastou para que uma frota britânica rumasse a Gibraltar, em pleno século 21, sem que a decantada excelência supranacional da Europa comunitária pudesse dizer um pio.
A par do silêncio de Bruxelas, a perplexidade diante de tanta desinteligência foi tremenda. Fossem governos populistas de periferias atrasadas do mundo alheio ao bom senso, isso ainda era lá esperável. No entanto, foram governos de países de excelência a comportarem-se de maneira primitiva, desatentos às formas evoluídas de solução pacífica de controvérsias. Claro que as tensões acabaram por se acomodar, com mútuas explicações encabuladas, como a de que não se tratava de demonstração de força entre vizinhos nervosos, senão de meras manobras militares. Nesse nível, é fácil entender por que, mais de 50 anos após sua criação, a União Europeia ainda não conseguiu construir uma política externa comum.
Se disputas territoriais foram no passado razão de conflitos, há muito vigora a convicção de que a guerra é a violação suprema do direito, em relação à qual não existe qualquer justificativa. A proscrição do uso da força, incorporada como preceito constitucional no Brasil e claramente compartilhada por vizinhos, irradia-se com força para toda a América Latina. À exceção da Colômbia, onde remanescem focos de beligerância, não por questões internacionais, mas por desacertos internos de uma guerra fria folclórica e anacrônica, somos uma região de arraigada paz. Foi o que se demonstrou no recente contencioso acerca da fronteira marítima entre Chile e Peru, em que os países submeteram-se aos ditames do direito e da diplomacia, após julgamento da questão pela Corte Internacional de Justiça.
Se a decisão da Corte de Haia foi juridicamente precária e tecnicamente insuficiente, é possível que isso tenha ocorrido pela não especialização do tribunal. De fato, a questão deveria ter sido levada ao Tribunal do Direito do Mar, órgão criado por Convenção das Nações Unidas, com sede em Hamburgo, e que seria o foro ideal. Deixando de lado possíveis interpretações unilaterais da limitada sentença ? que poderiam ter gerado mais conflitos ?, Chile e Peru, superando passado de guerras e acima de diferenças ideológicas de seus presidentes, Piñera e Humala, deram-se as mãos, a propor diálogo construtivo e civilizado. Muito a ensinar aos governos da Espanha de Rajoy e do Reino Unido de Cameron, comumente conservadores, apenas poucos meses após o vexame de Gibraltar.
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