Por Altamiro Borges
A atual cúpula do PSB, responsável pela guinada à direita da legenda desde o apoio ao cambaleante Aécio Neves nas eleições do ano passado, esbarra em dificuldades para bancar a fusão com o PPS do coronel Roberto Freire – o que consolidaria de vez a direitização da ex-sigla socialista. No final de maio, a revista Época já havia noticiado que o acordo corria o sério risco de melar. "Pelo menos 12 presidentes de diretórios estaduais do PSB e os governadores da Paraíba, Ricardo Coutinho, e de Pernambuco, Paulo Câmara, querem adiar o congresso nacional do partido marcado para o dia 20 de junho para formalizar a fusão com o PPS", informou o jornalista Leonel Rocha.
Ainda segundo o colunista, a rebelião contra a união – na verdade, incorporação do PPS – tendia a crescer. "O presidente do partido no Maranhão, Luciano Leitoa, ex-secretário de estado de Eduardo Campos e hoje prefeito de Timon, já se manifestou contra a fusão. O diretório do Rio de Janeiro também. Parte do PSB é a favor da reaproximação com o governo Dilma Rousseff e outro segmento quer fazer oposição no Congresso. Um terceiro grupo quer ter atuação independente no Legislativo".
Na sequência, o Estadão informou que o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, e o prefeito de Recife, Geraldo Júlio, "questionaram a unificação, mesmo sabendo que a proposta tinha sido aventada inicialmente pelo ex-governador Eduardo Campos, morto em um acidente aéreo no ano passado... Outros diretórios estaduais também demonstraram insatisfação com a proposta, como Maranhão, Bahia e Paraíba. A cúpula refez as contas e concluiu que não tinha 80% dos diretórios apoiando a fusão com o PPS, como informou o Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, na última quarta-feira (3)".
Agora, a disputa pelo futuro do PSB ganha novos e dramáticos contornos. Na sexta-feira passada (5), seis líderes históricos do legenda – seu ex-presidente Roberto Amaral, os deputados federais Luiza Erundina (SP) e Glauber Braga (RJ), o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, o sindicalista da CTB Joilson Cardoso e o ex-deputado Vivaldo Barbosa – divulgaram um manifesto conclamando a militância a resistir às tramas direitistas da cúpula do partido. Vale a pena conferir a íntegra do documento intitulado "Diga não à fusão":
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O noticiário da imprensa dá conta de que o vice-governador de São Paulo não poderá entregar ao PSDB a negociada fusão do PSB com o PPS.
Agradecemos a todas as companheiras e companheiros de militância pela resistência coletiva que impediu, até aqui, o assassinato de nosso Partido. Mas não há muito o que comemorar, pois, segundo ainda os jornais, o harakiri foi apenas adiado e por razões que não são necessariamente são as nossas que lutamos pela bandeira da esquerda socialista. Divergências sobre o comando da legenda teriam impedido a consumação do crime. A pequena política nos teria livrado da pequena política.
É imperioso, portanto, manter nossa luta e avançar, na esperança de que nem tudo está perdido.
Conclamamos a militância a continuar a luta contra a fusão, pelo que ela representa de atraso e perda política e ideológica. Mas conclamamos principalmente para nos ajudar a manter acesa a chama do socialismo.
Mais animados, e mais decididos do que nunca, continuaremos, ao lado da militância, defendendo o PSB contra sua descaracterização ideológica. O nosso PSB é aquele herdeiro da Esquerda Democrática, foco de resistência à ditadura do Estado Novo, que, na sua fundação, contou com a participação de João Mangabeira, Domingos Velasco, Hélio Pellegrino, Paulo Emílio Salles Gomes, Antônio Cândido e Caio Prado Jr.
Nosso Partido Socialista Brasileiro constituiu-se em 1947, sob o lema Socialismo e Liberdade, comprometido com a redemocratização, ao lado dos trabalhadores. Seu destino era lutar contra as desigualdades sociais e a exploração do homem pelo homem. Somos todos responsáveis pelo patrimônio político e moral construído a partir daí e responderemos perante a História pelo que fizermos desse legado.
Em seu Manifesto fundador, comprometia-se o PSB com a luta pela supressão das desigualdades sociais, a abolição dos privilégios de classe, a gradativa superação do capitalismo. Sustentava que as conquistas democrático-liberais eram importantes, porém insuficientes para extinguir a exploração do homem pelo homem.
Todos esses temas são de dramática atualidade.
Contra as conspirações golpistas e os arranjos retrógados a serviço do pacto de classe que sempre se opuseram ao progresso social, os socialistas defenderam a posse de JK, a posse e o governo de Jango (com suas “reformas de base”) e as Ligas Camponesas comandadas por Francisco Julião, deputado federal pelo PSB de Pernambuco.
Lutamos sempre pela reforma agrária, nos distinguimos na batalha “O Petróleo é nosso” e na defesa da Petrobras.
Contando em nossas fileiras com Pelópidas da Silveira, o primeiro prefeito de esquerda da cidade do Recife, resistimos desde o primeiro momento ao golpe militar de 1º de abril de 64, que apeou do poder um mandatário eleito pelo voto popular e lançou o Brasil na longa noite da ditadura de 64-85. Como os demais partidos, o PSB foi cassado pelo AI-2. Seus militantes aderiram à resistência ao regime castrense, nas mais variadas formas de luta.
Reorganizado em 1985, por Antônio Houaiss, Evandro Lins e Silva, Evaristo de Morais Filho, Jamil Haddad e Roberto Amaral, entre outros, e resgatando o Programa e o Manifesto de 47, o PSB faria oposição ao governo Sarney e defenderia, na Constituinte de 88 –pela qual tanto lutou – o direito de greve, a unicidade sindical e a reforma agrária, além da punição da tortura como crime inafiançável e imprescritível.
Coligando-se ao PT e ao PCdoB em 1989, o novo PSB seria artífice da Frente Brasil Popular e teria o senador José Paulo Bisol como candidato à Vice-Presidência da República, na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva. Ao longo dos anos 1990, reforçado pelo ingresso de Miguel Arraes e mantendo seu compromisso com a construção de um projeto democrático-popular, o PSB se opõe firmemente às experiências neoliberais de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. Teve participação decisiva no impeachment de Collor, na mobilização popular, no Congresso e no julgamento, através de Evandro Lins e Silva, José Paulo Bisol e Jamil Haddad. Participa do governo Itamar Franco, com Jamil Haddad à frente da pasta da Saúde e Antônio Houaiss na Cultura, e dele se afasta, por iniciativa de Miguel Arraes, quando a politica econômico-social passa a ser dirigida por FHC, então Ministro da Fazenda.
Este é o nosso PSB. Este, o PSB que pretendem matar. Este, o PSB que defenderemos, sempre.
Após apoiar Lula no segundo turno das eleições presidenciais, em 2002 (no primeiro turno, sob a liderança de Miguel Arraes, lançara a candidatura própria de Anthony Garotinho), o PSB participa de seu governo, apoiando fielmente o projeto de redução da pobreza e ocupando cargos de relevo como o Ministério da Ciência e Tecnologia, através de Roberto Amaral, Eduardo Campos e Sérgio Rezende. Apoia sua reeleição e a eleição de Dilma Rousseff, de cujo governo participa com os ministros Ciro Gomes, Pedro Brito, Leônidas Cristino e Fernando Bezerra.
Na única página lamentável de sua história, até aqui, e que poderá ser superada por outra ainda mais nefasta – se a pretendida fusão vier, um dia, a se realizar –, o PSB decide, no segundo turno das eleições presidenciais de 2014, declarar apoio ao candidato da direita. Menos mal, contudo, que a tentativa de chegar ao poder pela via do oportunismo desabrido não se tenha concretizado.
Ao optar por aliar-se ao que sempre combatera, ao escolher tornar-se uma contrafação de si mesmo, o PSB, por decisão majoritária de sua direção nacional, resolve renegar seu passado e, assim, abdicar do futuro. Comprometeu sua identidade ideológica, afastou-se do campo da esquerda, renegou sua história e ao final não obteve os ganhos eleitorais e administrativos (cargos) que o pragmáticos prometiam.
O caminho da traição, no entanto, não estava completo: dando seguimento ao que iniciou no ano passado, a nova direção, majoritariamente, comandada de fato por interesses personalíssimos e alheios ao nossos compromissos políticos, empenhou-se em promover a fusão do PSB com o PPS, linha auxiliar do projeto conservador tucano. Aquilo que a direita jamais conseguiu – senão temporariamente, e por meio de ato de força da ditadura militar – é proposto pelos dirigentes: extinguir o PSB, com a fusão, da qual resultaria um outro partido, uma nova sigla e uma nova Fundação, substituindo a João Mangabeira. Mudando de campo político, os socialistas agora tratariam de compor um satélite ampliado da centro-direita.
A deslealdade, que enxovalha a memória dos construtores do PSB, seria também um ato de estupidez política. Afinal, neste momento em que a esquerda brasileira busca novos caminhos, novas referências éticas e políticas, um renovado projeto de país, o PSB, que poderia crescer sem fazer concessões político-ideológicas, acolhendo os descontentes e conduzir o processo de renovação pela esquerda, de que o Brasil tanto necessita, decidiria tornar-se apêndice do PSDB – e isso, justamente quando a agremiação tucana aparta-se da socialdemocracia para ocupar o lugar do decadente DEM (ex-PFL e ex-ARENA).
Nesta hora decisiva, os números não podem ofuscar os valores. Um partido não pode crescer apenas aritmeticamente, renunciando aos seus fundamentos.
É preciso que o Partido abandone o oportunismo como linha programática e se mantenha fiel às lutas que explicam seu crescimento eleitoral. É preciso que o PSB permaneça no campo progressista, comprometido com o projeto de aprofundamento da democracia, de combate aos privilégios de classe e aos preconceitos de toda ordem. Comprometido, em suma, com a construção de uma nação soberana, rica, democrática, livre, justa e solidária.
É chegada a hora: diga NÃO à descaracterização ideológica do PSB de que a FUSÃO é apenas um dos muitos instrumentos de que pode lançar mão uma maioria conservadora de ocasião.
Brasília, 5 de junho de 2015.
Roberto Amaral
Luiza Erundina
Glauber Braga
José Gomes Temporão
Joilson Cardoso
Vivaldo Barbosa
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