Geral
Lobos e escravos - JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SP - 21/01
Só assistindo às chibatadas constantes de '12 Anos de Escravidão' entendi como estava errado
Começou a temporada dos prêmios de cinema e eu cometi a imprudência de sair de casa. Para ver as obras do momento.
"Imprudência" é palavra demasiado forte, admito: uma desilusão e um reencontro feliz não são propriamente um prejuízo. Mas de Steve McQueen, o diretor de "12 Anos de Escravidão", esperava tudo. Exceto "12 Anos de Escravidão".
Até por razões curriculares: "Fome" (2008) e "Shame" (2011) são retratos de desumanização que, em sua radicalidade formal e narrativa, o cinema contemporâneo não se atreve a oferecer com regularidade.
No primeiro caso, a desumanização de Bobby Sands, o ativista do grupo terrorista irlandês IRA que cumpriu greve de fome até as últimas consequências em inícios da década de 1980. McQueen, artista plástico, filmou essa autoflagelação com o "realismo sujo" de um Caravaggio. E Michael Fassbender, o ator, nasceu nesse filme como o maior talento da sua geração. Ainda é.
"Shame" vai ainda mais longe, ao filmar Brandon (uma vez mais, Fassbender), um viciado em sexo e pornografia que é incapaz de estabelecer uma ligação emocional relevante com a humanidade em volta.
Esse, precisamente, é o tema central do filme: a devastadora solidão de um homem condenado à superficialidade da carne.
"12 Anos de Escravidão" tinha premissa igualmente poderosa e até verídica: Solomon, um negro livre de Nova York, é capturado e vendido como escravo para as plantações do Sul.
Mas Steve McQueen acredita que a melhor forma de apresentar o sistema repulsivo da escravatura passa por uma sucessão ilógica e gratuita de quadros de violência física. Imagino que o propósito seja mostrar ao mundo que a escravatura era coisa ruim.
Curioso: sempre julguei que fosse coisa boa. Só assistindo às chibatadas constantes de "12 Anos de Escravidão" entendi finalmente como estava errado.
Escusado será dizer que, no redundante panfleto de McQueen, os personagens são reduzidos a caricaturas dignas de um filme de James Bond: os maus são muito maus; e os bons são muito bons, com destaque para Brad Pitt, um abolicionista "avant la lettre", com barba de Abraham Lincoln e retórica de Angelina Jolie.
Aliás, por falar em Angelina, é incompreensível que a própria não tenha feito uma aparição no filme como Embaixadora da Boa Vontade para o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Seria um final perfeito: Angelina, aterrissando na fazenda de helicóptero, salvando todos os escravos e até adotando um deles. Talvez numa próxima.
E o reencontro feliz? Ah, o reencontro: Martin Scorsese. Momento de nostalgia: Scorsese foi o cineasta da minha formação. Por causa dele, passei uma adolescência em Nova York, cometendo crimes com Johnny Boy (em "Caminhos Perigosos", 1973), viajando no táxi de Travis Bickle (em "Taxi Driver", 1976) ou assistindo aos combates entre Jake La Motta e Sugar Ray Robinson (em "Touro Indomável", 1980).
Mas nos últimos anos --desde, digamos, "Cassino" (1995)-- havia a terrível sensação de que Scorsese brochara para o cinema. Cada filme dele (o inacreditável "Kundun"; o medíocre "Gangues de Nova York"; mesmo o estimável "Os Infiltrados") era um insulto à minha memória cinéfila e uma confissão de cansaço ou impotência.
Com "O Lobo de Wall Street", uma extravagância visual alimentada a cocaína do princípio ao fim, Scorsese constrói a sua comédia mais negra, delirante e hilariante sem abandonar, claro, as obsessões morais da sua arte.
Uma fortíssima educação católica não se apaga da noite para o dia: narrando a história de Jordan Belfort, um corretor de Wall Street na sua demencial escalada para a riqueza, Scorsese vai desfiando, com um frenesi literalmente infernal, todos os pecados que Dante escreveu na primeira parte da sua obra: luxúria, ganância, cólera, fraude e, obviamente, traição.
O resultado só pode ser mesmo uma divina comédia, dessa vez reforçada por um Leonardo DiCaprio que, aos 40 anos, chegou ao fim da adolescência e entrou definitivamente na idade adulta.
Obrigado, Mestre: depois do táxi de Travis Bickle e do ringue de Jake La Motta, também não esquecerei este "Grande Gatsby" decadente filmado com o tesão dos velhos tempos.
-
Escravidão, Sadismo E Inteligência - Mario Sergio Conti
O GLOBO - 20/02 O filme ?12 anos de escravidão? emociona, mas não pensa nem deixa pensar O novo filme do diretor Steve McQueen, que estreia amanhã no Rio, recebeu um título em português que, apesar de semelhante ao original, tem sentido diferente....
-
O Lobo De Scorsese - LÚcia GuimarÃes
O Estado de S.Paulo - 06/01 Shame on you! (que vergonha!), gritou um roteirista quando o diretor Martin Scorsese saiu do elevador ao lado de Leonardo DiCaprio para encontrar o público de membros da Academia de Hollywood na sessão de O Lobo de Wall Street,...
-
Os Indicados Ao Oscar 2014
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood anunciou nesta quinta-feira (16) a tão esperada lista de indicados ao Oscar de 2014. A 86ª edição do premiação mais prestigiada do cinema mundial será realizada no dia 2 de março deste...
-
Uma Boa Vitória No Oscar
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog: Fiquei muito feliz com o Oscar para 12 Anos de Escravidão. É um filme bom de ver. Enriquece nosso conhecimento sobre uma das mais degradantes experiência da história da humanidade, que é a submissão absoluta...
-
Filmes De Páscoa
João Pereira Coutinho, Folha de SP 1. Brandon é um viciado. Não em drogas, não em bebida, nem sequer em pastilhas socialmente aceitáveis. O negócio dele é sexo. O leitor sorriu com essa possibilidade: sexo é vício que não mata ninguém. E a...
Geral