Por Sandro Ari Andrade de Miranda, na Rede Brasil Atual:
Sempre que observamos um movimento paredista de caminhoneiros, a triste lembrança do Chile volta do passado. Na época, insuflados por uma ação da Agência Norte-americana de Inteligência, a CIA, um grupo de caminhoneiros realizou uma grande paralisação no país visando a conferir legitimidade ao golpe militar que culminou no assassinato do presidente, democraticamente eleito, Salvador Allende.
O resto da história já é do conhecimento de todos. O Chile viveu uma ditadura cruel, das mais selvagens da história, que contou com requintes de selvageria, como o massacre de milhares de oposicionistas do regime num estádio de futebol.
Sendo assim, quando os caminhoneiros do Brasil realizam uma paralisação em diversos estados é preciso separar o joio do trigo, a necessidade do golpismo, a luta política democrática do mero golpismo.
Sem ingressar no mérito das reivindicações, é preciso destacar que a maior parte das organizações de trabalhadores de transporte acolheu plenamente a proposta do governo federal costurada pelo sempre eficiente ministro-chefe Miguel Rosseto, da Secretaria-Geral da Presidência da República. Daí fica a pergunta: se as entidades de classe acolheram a proposta apresentada pelo governo, por que algumas cidades ainda sofrem com a paralisação e bloqueio de rodovias? Quem ganha com o caos?
Com certeza, não são os caminhoneiros, que terão uma lei que garante uma série de direitos trabalhistas sancionada na íntegra pela presidenta Dilma Rousseff, além da isenção do pedágio para caminhões vazios e o congelamento do preço do diesel por um período mínimo de seis meses, dentre outras vantagens.
A resposta está nas entrelinhas do movimento, nas suas contradições, e na presença de atores estranhos e alheios ou contrários à pauta de reivindicação dos trabalhadores. Sugiro olhar e fotografar a placa da maior parte dos caminhões paralisados e, com certeza, teremos uma surpresa ao ver que grande parte é de Santa Catarina ou do Paraná. Ou seja, são caminhões das grandes empresas de transportes, que emplacam os seus caminhões em estados que fazem populismo com o IPVA, e se utilizam da desinformação imposta pela mídia da direita golpista, especialmente a Rede Globo, a Folha de S.Paulo e a Veja, para sustentar uma crise fabricada.
Há uma imensa contradição entre a agenda dos trabalhadores rodoviários, que hoje são submetidos a jornadas humilhantes, com garantias mínimas, ou forçados a falsificar contratos de terceirização dos serviços, e o das empresas de transporte, ou ainda do grande agronegócio, que se aproveitam da fragilidade legal do trabalho da categoria para impor um regime quase escravagista e baixos valores de fretes.
Assim, muitos dos trabalhadores que hoje fazem figuração no movimento paredista são vítimas da ação deliberada do grupo dominante, e sem a menor compreensão do processo político e social defendem a agenda dos seus maiores inimigos, que são os grandes empresários do agronegócio e das grandes empresas de transporte.
Isso não é greve, e sim locaute, ou lockout, para utilizar a expressão britânica. Trata-se de uma prática proibida pela legislação brasileira, exercitada pelos empregadores, que têm por objetivo frustrar ou dificultar o atendimento de reivindicações dos empregados.
No locaute impede-se o acesso dos trabalhadores aos meios de trabalho, ou simplesmente é suspendido o direito ao trabalho através do uso desproporcional da força econômica. O resultado buscado pelos dirigentes dos locautes é sempre o enfraquecimento da pauta da classe trabalhadora organizada para impor um regime de interesse do capital. Não é por acaso que figuras desconhecidas, surgem, do nada, como líderes, normalmente “laranjas” muito bem pagos pelos interessados nos resultados do movimento contrarreivindicatório.
Assim, você brasileiro que hoje sofre com a chantagem egocêntrica de um grupo de caminhoneiros que violentamente bloqueiam a circulação de caminhões, ou com a campanha de pânico imposta pela mídia golpista, especialmente a Rede Globo, fiquem certos de que não são os trabalhadores que lideram essa organização paredista, mas aqueles que se usufruem da exploração de milhares de trabalhadores que atuam no segmento do transporte.
Não há uma greve legítima, esta terminou na quarta-feira (25), na reunião entre o movimento dos caminhoneiros e o ministro Miguel Rosseto. Temos, isto sim, um locaute, medida absolutamente ilegal.
Quais os motivos deste movimento, que curiosamente começou no Paraná, estado onde o governador, vinculado ao PSDB, enfrenta protestos diários pelas denúncias de corrupção e pelo corte dos direitos de servidores públicos, e mostra alguma forma no Rio Grande do Sul, onde o governador José Ivo Sartori promete atrasar o pagamento da folha salarial dos servidores.
Talvez a resposta seja a tentativa de abafar as denúncias contra Aécio Neves e FHC na Operação Lava Jato, ou ainda o vergonhoso escândalo do HSBC, esquecido pela mídia, e que representa o maior caso de corrupção e de lavagem de dinheiro do planeta, ou para dar gás à sede golpista de um grupo de conservadores que não consegue aceitar a perda das eleições de outubro, ou ainda, claramente, para atrasar a sanção da Lei dos Caminhoneiros, que traria uma imensa e justa vantagem para esta importante categoria profissional.
Se estamos diante de um locaute, e não de uma greve, não há mais exercício da democracia, mas sim um típico caso de polícia, e que assim deve ser tratado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal.
* Sandro Ari Andrade de Miranda é advogado e mestre em ciências sociais.
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