Aconteceu na noite desta terça-feira (31) o conjunto de plenárias que, em todo o Brasil, pretendem dar o impulso para a unificação das pautas dos movimentos progressistas. Em São Paulo, o Sindicato dos Bancários sediou o “Grande Ato em Defesa da Democracia, da Petrobras, dos Direitos Sociais e Trabalhistas e por uma Reforma Política Democrática”, cuja apoteose foi um discurso de mais de 45 minutos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além de Lula, se manifestaram outras importantíssimas lideranças da esquerda, como Adilson Araújo (presidente da CTB), Renato Rabelo (o presidente do PCdoB), Vagner Freitas (presidente da CUT), Ruy Falcão (presidente do PT), Vic Barros (presidenta da UNE) e Maria Izabel Azevedo Noronha (presidenta da APEOESP).
Diante de uma plateia que reuniu mais de uma centena de movimentos sociais diferentes, as lideranças enfatizaram a necessidade de formar uma aliança de movimentos da sociedade civil organizada contra a crescente força do conservadorismo no Congresso e na opinião pública brasileira. Algumas pautas surgiram de forma coletiva:
- a defesa da soberania das eleições e da democracia, acima de tudo;
- a urgência de levar os protestos para as ruas e conscientizar a população da tentativa de retrocesso imposta pelos conservadores;
- a necessidade de se investigar a corrupção a qualquer custo, onde quer que ela esteja;
- o combate ativo às medidas que tiram direitos dos trabalhadores e estudantes, como as MPs 664 e 665 e o PL 4.330/04;
- uma política econômica oposta à neoliberal, que priorize as classes trabalhadoras;
- a aprovação de uma taxa sobre grandes fortunas e outra sobre as remessas de lucro ao exterior;
- a centralidade das estatais, em especial a Petrobras, no plano de desenvolvimento nacional;
- a democratização dos meios de comunicação, que implica a regulação econômica da mídia;
- a defesa das minorias pela implementação de medidas, programas e leis que permitam cidadania e ascensão social a grupos historicamente excluídos;
O consenso é de que é preciso estimular o máximo comparecimento dos companheiros dos diversos movimentos sociais na agenda de manifestações adiante, em especial no dia 1º de maio.
“Esta é a hora mostrarmos para os reacionários que não iremos tolerar a sanha golpista que alguns estão tentando estabelecer aqui no nosso país. O voto de 54 milhões de brasileiros determinou que a presidenta Dilma Rousseff permanecesse no poder, e a ordem democrática deve ser respeitada”, conclamou Vic Barros. “Não haverá golpe neste país sem que haja resistência dos trabalhadores. Nós iremos às ruas. Ninguém vai se esconder embaixo da cama nem fugir para a França. Os nossos movimentos não formaram covardes!”, disse, no discurso seguinte, Gilmar Mauro, do MST.
O presidente da CTB, Adilson Araújo, enxergou na plenária a oportunidade para aprofundar a união entre os movimentos progressistas brasileiros. “Foi um ensaio necessário para a gente sacudir a poeria e dar a volta por cima no caminho da democracia. Um evento como esse consagra a necessidade da ampla unidade do movimento social, do movimento popular, sobretudo dos partidos de esquerda da sociedade. Eu penso que essa composição social será mais do que necessária para fazer o enfrentamento dessa onda conservadora e da tentativa de golpe”, concluiu.
O discurso de Lula
O ex-presidente e padrinho do evento, Lula, foi o último a discursar, e o fez por mais de 45 minutos. Já em seu primeiro momento, fez questão de pontuar o absurdo da disputa política atual: “Eu não sei bem o que está acontecendo com o Brasil - nós tivemos uma briga desgraçada para ganhar as eleições mas parece que foram eles [a oposição] que ganharam”, disse jocosamente, arrancando risos. “Tivemos que enfrentar a infâmia, a injúria e o ódio dessa turma como nunca antes. A gente deveria estar em alguma festa agora, mas estamos aqui. É uma coisa que eles não aceitam, parece que a eleição nunca termina. Desde 2002, eles parecem estar sempre em campanha”, completou.
Para Lula, a acusação de que o PT estaria se apoiando no divisionismo de classes para continuar no poder é invertida, pois foi justamente a ascensão social dos mais pobres que evidenciou a disputa entre trabalhadores e capitalistas. “É aquela velha coisa: quem já comeu filé não quer mais saber de músculo, o trabalhador não vai aceitar voltar para aquela vidinha que tinha 10 anos atrás. Quando bateu a crise, esse povo que aprendeu a andar de avião e estudar na faculdade começou a reclamar”, explicou. Arrochos salariais e medidas ortodoxas de restrição financeira, que na década de 90 não encontraram grandes resistências, tornaram-se alvo de críticas ferrenhas por toda a população, acirrando a disputa pela responsabilidade da crise.
O ex-presidente pediu calma aos movimentos sociais neste primeiro momento do mandato, comparando a experiência atual com a de 2003 e de 2007 - ocasiões em que era ele o mandatário a assumir o Palácio do Planalto. “O que acontece agora é a mesma coisa que antes: quando eu assumi pela primeira vez, o Estadão publicou logo em março que eu estaria tendo uma divergência seríssima com a base do PT; em 2007, logo em janeiro, o Globo publicou um editorial em que dizia que eu ‘assumia um governo com ideias velhas’ e que ‘já estava acabado’. Quiseram condenar o que nem havia começado”, lembrou. Ele disse acreditar que a turbulência atual, fruto de um conjunto muito grande de fatores fora do controle do governo, deve passar em algum tempo, se amparada por medidas econômicas e políticas de estabilização.
Sobre os ajustes fiscais e cortes promovidos pelo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, Lula pediu um pouco mais de tolerância por parte dos movimentos sociais. “O pessoal está falando muito, que não pode cortar, que não pode reduzir, mas é bom lembrar que eu mesmo também tive que fazer correções no início de cada mandato meu, e foram bem maiores do que essa. Isso não significa que a Dilma tenha abandonado a missão pela qual jurou lutar durante a campanha - vamos entender que uma coisa é a disputa econômica, e outra é a disputa política. São duas coisas separadas, e às vezes a gente pode ceder em uma sem abrir mão da outra”, opinou. Ele acredita que os cortes feitos agora por Levy podem ser recuperados quando o país estiver com a economia novamente em crescimento, e disse que o PT não esqueceu das injustiças que os aposentados sofrem por conta do Fator Previdenciário.
Corrupção foi outro assunto que o líder petista tocou ao longo de sua fala, com especial atenção para a indignação seletiva da grande imprensa em torno da Operação Lava Jato. “A gente tem que falar sobre corrupção sim, mas tem que fazer um debate correto sobre isso, porque é algo que nunca fizemos. Se tem um brasileiro indignado, este sou eu. Quero saber se alguém vai ter coragem de dizer que o [ex-presidente da Petrobras, Sérgio] Gabrilli esteve envolvido com corrupção. Ele conquistou o direito de andar de cabeça erguida. Já o bandido pega 40 anos de prisão, vai fazer delação premiada e vira herói. Diz 'ouvi falar', 'eu acho que...' e nem precisa de juiz, a imprensa já condenou", acusou, apontando para as câmeras das emissoras presentes na plenária. "Esse país nunca teve ninguém com a coragem de Dilma para fazer investigações onde quer que seja preciso. Fomos nós que colocamos um representante do Ministério Público indicado pela categoria, sem interferência do governo. Fomos nós que dobramos o número de policiais federais, os investimentos em inteligência", argumentou.
Lula finalizou seu discurso com uma mensagem direta para a presidenta Dilma Rousseff, em tom intimista, olhando para as câmeras da TVT. “Dilma, é o seguinte: você precisa lembrar sempre que quem está aqui é seu parceiro nos bons e nos maus momentos. Ninguém aqui quer ser convidado só para festas não, a gente quer ser convidado para discutir coisas sérias, fazer boas lutas e comprar boas brigas. E você pode ter certeza que ninguém mexerá na conquista democrática desse povo brasileiro, que elegeu um operário e depois elegeu uma mulher presidenta da república”, disse, sob aplausos e assovios intensos das mais de mil pessoas na quadra do Sindicato do Bancários de São Paulo.