Por Jandira Feghali, no blog Viomundo:A família Ramphastidae, com mais de 33 tipos de tucanos, tem um hábito curioso. Dorme com o bico enorme escondido sob as asas e a cauda dobrada sobre o dorso, cobrindo a cabeça. Seus parentes na política não seguem a mesma conduta. Talvez a falta de descompostura na arte de abrir tanto o bico para acusar os tenha impedido de esconder seus bicos quando deveriam.
Talvez os golpistas da atualidade não se recordem, mas uma longa lista de crimes dos governos tucanos ainda pairam sob enormes dúvidas. Da pasta rosa ao Caso SIVAM, a mesma justiça que hoje apura a Operação Lava-Jato, atravessou a década de 90 num silêncio sepulcral para a maior parte dessas denúncias.
Comecemos pelo Caso SIVAM. No início do primeiro mandato presidencial, FHC viu seu Governo afundado em denúncias de tráfico de influência para contratação e execução de um misterioso sistema de vigilância na Amazônia. O escândalo chegou a bater na porta do Parlamento na tentativa de se instalar uma CPI para apurar o esquema de corrupção, mas o ex-presidente tucano tratou de articular seu bloqueio.
Teve uma boa ajuda do “Engavetador Geral da República”, Geraldo Brindeiro, que recorrentemente arquivava denúncias de corrupção contra o governo tucano – bem diferente do que é feito atualmente por Rodrigo Janot. Quando explodiram denúncias de que bancos públicos teriam financiado campanhas políticas de parlamentares da base de FHC através de Caixa 2, o conhecido caso da “pasta rosa”, Brindeiro varreu todas para debaixo do tapete.
Ainda houve a quebradeira nacional da privataria tucana, registrada no livro de Amaury Ribeiro Júnior. FHC fez “preço de banana” para entregar a Companhia Vale do Rio Doce, empresa de patrimônio único, com gigantesca infraestrutura acumulada. A estatal foi “vendida” ao capital internacional por meros R$ 3 bilhões, algo que a companhia lucra atualmente a cada trimestre.
Também vale recordar a misteriosa venda da extinta Telebrás. Vários grampos divulgados à época revelavam o envolvimento de lobistas do setor de telefonia com autoridades do partido do ex-presidente. Informações privilegiadas eram repassadas a alguns grupos econômicos de forma que os beneficiasse no negócio. Outra CPI impedida pelos tucanos.
A extinção da Sudene e Sudam, órgãos do Governo mantidos para estimular o desenvolvimento do Nordeste e Amazônia, respectivamente, também estão nessa lista. Depois de inúmeras denúncias de fraude nas administrações, FHC resolveu extinguir as superintendências em vez de realizar o que a presidenta Dilma tem feito na Petrobras: criado transparência e facilitado as investigações.
Não se pode esquecer da compra de votos para sua reeleição de 1998, onde parlamentares da base do Governo teriam recebido dinheiro para votar a favor de uma emenda constitucional que criaria esta regra na Constituição Federal. Dois deputados do ex-PFL, hoje DEM, foram manchete dos jornais ao confirmar a informação. Ambos foram punidos pelo partido e o caso arquivado, sepultando qualquer outro tipo de apuração.
Os tucanos, como sua trajetória política mostra, não possuem moral para dar à Dilma o conselho de renúncia quando, na verdade, a História só tem mostrado que foi sob a gestão dela que a Justiça e os órgãos de investigação tiveram fôlego, autonomia e instrumentos para combater a corrupção tanto abafada na década de 90.
Como na natureza, os tucanos da política poderiam tomar como referência os tão bonitos Ramphastidae. É hora de esconder os bicos. O grupo político que lhe toma como símbolo, liderado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não tem autoridade política nos gorjeios para pedir a renúncia da presidenta Dilma Rousseff.
* Jandira Feghali é médica, deputada federal (RJ) e líder do PCdoB.