Mídia “despolitiza” Ariano Suassuna
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Mídia “despolitiza” Ariano Suassuna


Por Altamiro Borges

A mídia tem feito belas homenagens ao escritor Ariano Suassuna, falecido nesta quarta-feira (23). Depoimentos sobre sua importância para a cultura popular, reprodução de minisséries baseadas em sua obra, reportagens sobre a sua longa e rica história. Talvez emocionada, Ana Maria Braga – sempre ela –, apresentadora do programa “Mais Você”, da TV Globo, até confundiu o nome do grande brasileiro, chamando-o de “Adriano” na manhã desta quinta-feira. Justas, justíssimas, homenagens! O que chama a atenção, porém, é que a mídia nativa tem evitado destacar os compromissos políticos de Ariano Suassuna, que sempre se identificou com as bandeiras nacionalistas e de esquerda.

Como escreveu o ex-presidente Lula em sua mensagem de despedida, o escritor pernambucano “era um militante das causas populares”. “É imensa a tristeza de receber a notícia de que um amigo tão querido nos deixou. Este paraibano de língua afiada, alma solidária, escrita ao mesmo tempo simples e profunda sempre nos honrou com sua amizade. Suassuna fez muito pelo povo brasileiro através de suas palavras, sabedoria popular e compromisso político. Um escritor premiado e reconhecido, que nunca se esqueceu de que era um homem do povo... Como escritor e como militante das causas populares, Suassuna continuará vivo em nossos corações”.

Já a coordenação nacional do MST, em nota oficial, lamentou “a perda do grande mestre da cultura brasileira, que nos deixou nesta quarta-feira. Mestre da cultura popular erudita, crítico do americanismo, Ariano Suassuna marcou o século passado com suas peças teatrais, seus romances e suas aulas-espetáculos... Mestre Ariano foi um apoiador da luta pela reforma agrária e um amigo do MST. Recebeu o coletivo de cultura do MST em sua casa, onde mostrou toda sua simplicidade e vitalidade ao sentar na calçada de sua casa e contar causos. Fez criticas à supremacia do modelo americano e propôs que a cultura popular fosse a mola propulsora de uma nova forma de pensar a cultura”.

Durante um comício de apoio a então candidata Dilma Rousseff em Garanhuns (PE), em agosto de 2010, Ariano Suassuna concedeu uma entrevista ao repórter Fernando Coelho, do jornal Gazeta de Alagoas, na qual reafirmou seu compromisso com o país e seu povo: “Você não sabe a humilhação que eu sentia pela dívida do Brasil ao FMI. O presidente brasileiro não tinha condições de escolher um ministro que não fosse aprovado pelo FMI. O FMI tinha o direito de vetar. Agora, o Brasil pagou a dívida e o FMI está devendo à gente. E Lula disse: 'Já pensou que coisa chique, o FMI está devendo ao Brasil.' Foi para o povo brasileiro recuperar a autoestima”.

“Lula baixou o número de pessoas que viviam na miséria. Baixou de 34% para 18%. Ele, Lula. E o percentual deve estar mais baixo ainda porque esses dados são do ano passado. Eu morria de vergonha do governo Fernando Henrique. Bastava dar um chapéu de doutor para ele entregar tudo. Eu votei no Lula em todas as vezes e não me arrependo. Escrevi, falei em comício, fiz o diabo. O que eu posso fazer eu faço. Eu não tenho poder político, nem econômico, nem nenhum outro, mas tenho uma língua afiada que só a peste, e ela está a serviço do meu país”. Este Ariano Suassuna, engajado e militante, a mídia agora tenta esconder. Reproduzo abaixo um dos seus textos, publicado no site no MST:

*****

Esquerda e Direita 
Não concordo com a afirmação, hoje muito comum, de que não mais existem esquerda e direita. Acho até que quem diz isso normalmente é de direita.

Talvez eu pense assim porque mantenho, ainda hoje, uma visão religiosa do mundo e do homem, visão que, muito moço, alguns mestres me ajudaram a encontrar. Entre eles, talvez os mais importantes tenham sido Dostoiévski e aquela grande mulher que foi santa Teresa de Ávila.

Como consequência, também minha visão política tem substrato religioso. Olhando para o futuro, acredito que enquanto houver um desvalido, enquanto perdurar a injustiça com os infortunados de qualquer natureza, teremos que pensar e repensar a história em termos de esquerda e direita.

Temos também que olhar para trás e constatar que Herodes e Pilatos eram de direita, enquanto o Cristo e são João Batista eram de esquerda. Judas inicialmente era da esquerda. Traiu e passou para o outro lado: o de Barrabás, aquele criminoso que, com apoio da direita e do povo por ela enganado, na primeira grande “assembléia geral” da história moderna, ganhou contra o Cristo uma eleição decisiva.

De esquerda eram também os apóstolos que estabeleceram a primeira comunidade cristã, em bases muito parecidas com as do pré-socialismo organizado em Canudos por Antônio Conselheiro. Para demonstrar isso, basta comparar o texto de são Lucas, nos “Atos dos Apóstolos”, com o de Euclydes da Cunha em “Os Sertões”.

Escreve o primeiro: “Ninguém considerava exclusivamente seu o que possuía, mas tudo entre eles era comum. Não havia entre eles necessitado algum. Os que possuíam terras e casas, vendiam-nas, traziam os valores das vendas e os depunham aos pés dos apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um, segundo a sua necessidade”.

Afirma o segundo, sobre o pré-socialismo dos seguidores de Antônio Conselheiro: “A propriedade tornou-se-lhes uma forma exagerada do coletivismo tribal dos beduínos: apropriação pessoal apenas de objetos móveis e das casas, comunidade absoluta da terra, das pastagens, dos rebanhos e dos escassos produtos das culturas, cujos donos recebiam exígua quota parte, revertendo o resto para a companhia” (isto é, para a comunidade).

Concluo recordando que, no Brasil atual, outra maneira fácil de manter clara a distinção é a seguinte: quem é de esquerda, luta para manter a soberania nacional e é socialista; quem é de direita, é entreguista e capitalista. Quem, na sua visão do social, coloca a ênfase na justiça, é de esquerda. Quem a coloca na eficácia e no lucro, é de direita.
 




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