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Monarquias eleitas - MARCELO COUTINHO
FOLHA DE SP - 22/02
É um erro reduzir a democracia a um sistema que realiza eleições. Até na totalitária União Soviética havia voto e um sistema eleitoral do qual "todos participavam".
Aliás, foi justamente o bloco socialista no século 20 o último grande inimigo da democracia, que ao longo da história enfrentou monarcas, sultões, coronéis e tiranos.
A redução da democracia a apenas um dos seus elementos não passa de um truque para grupos autoritários se legitimarem no poder. Quem recorre a esse artifício sabe que está ludibriando as pessoas e confundindo a opinião pública.
O que distingue a democracia é o voto livre, para o qual se faz necessário garantir a liberdade e a autonomia da imprensa e do Judiciário e os direitos de manifestação e de organização sem riscos de perseguição. Pode-se dizer que nenhum regime tem esses componentes em plenitude, mas, se há democracia, eles estão presentes.
A eleição em uma falsa democracia é como um dado viciado, que só pode dar um mesmo número sempre. As supressões de liberdade vão aumentando uma a uma, até que se torna virtualmente impossível para qualquer oposição vencer, mesmo quando o país está um caos. Até há voto, mas ele não é livre.
A Venezuela deixou de ser uma democracia quando Hugo Chávez morreu (2013). Ele já havia castigado o regime democrático, mas foi com seu sucessor que a mudança autocrática aconteceu. Com o apoio de um Judiciário controlado pelo governo, Nicolás Maduro foi empossado presidente antes das eleições, sem qualquer legitimidade, porque naquele país, ao contrário do Brasil, o vice não é eleito.
Depois disso, a mesma Justiça controlada estabeleceu um prazo exíguo de apenas um mês para o pleito, mantendo o presidente ilegítimo no poder. Por acaso, seria ele mesmo o candidato às eleições que veio a vencer por alguns poucos decimais. Mesmo com a imprensa quase toda capturada, o abuso de poder estatal, ameaças e uma campanha de duração ínfima, a oposição conseguiu virtualmente empatar a disputa.
As democracias e os organismos internacionais que reconheceram as eleições anteriores nas quais Chávez de fato foi o vencedor mostraram-se menos confiantes no pleito de 2013. Ao final, a Justiça chavista recusou-se a fazer uma auditoria ou recontagem total dos votos, a despeito do que manda a praxe e do que solicitou a oposição, que obteve, no mínimo, 49% dos votos.
Desde então, o quadro venezuelano só tem piorado. A última notícia é a da prisão de líderes oposicionistas e fortíssima repressão --com mortos-- aos movimentos contrários ao governo. Difícil encontrar um direito humano que o governo venezuelano já não tenha violado. Não há democracia eleitoral sem Estado democrático de Direito.
Depois de Franklin Delano Roosevelt exercer quatro mandatos consecutivos como presidente dos Estados Unidos, entre 1933 e 1945, em um momento singular de depressão econômica e Grande Guerra, o espírito democrático dos norte-americanos prevaleceu, impedindo que tais reeleições sucessivas voltassem a acontecer naquele país.
Mas, na Venezuela, não há mais margem para dúvidas. Infelizmente, o país deixou de zelar a democracia. As oposições não encontram condições leais de disputa eleitoral, impedindo uma virtual vitória, mesmo que esta pudesse refletir a vontade popular. Não se pode falar em democracia onde a oposição está impedida de tornar-se situação.
O socialismo do século 21 continua sendo irremediavelmente autoritário. As novas gerações dessa suposta esquerda também fracassaram. Só não querem reconhecer e muito menos largar o poder, como verdadeiras monarquias eleitas.
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