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NÃO É SÓ GRUPO TERRORISTA NIGERIANO QUE É CONTRA EDUCAÇÃO DE MENINAS
Protesto exige que meninas raptadas sejam trazidas de volta
Quase um mês atrás, na noite de 14 de abril, dezenas de homens fortemente armados invadiram os dormitórios de uma escola na vila de Chibok, norte da Nigéria, raptando 276 alunas entre 16 e 18 anos, que estavam lá para realizar algumas provas. A escola havia permanecido fechada durante quatro semanas, por conta das ameaças. E o governo nigeriano tinha informações de que a escola seria atacada naquele dia, e nada fez. O grupo terrorista que assumiu o sequestro foi o Boko Haram, que significa "a educação ocidental é um pecado". O grupo não é apenas contra a educação de meninas, mas contra tudo que vê como "ocidentalização da nossa civilização". Em fevereiro, membros do Boko Haram entraram num dormitório em Yobe, também na Nigéria, e mataram cerca de trinta meninos que estavam dormindo depois de um dia de aulas. Em julho do ano passado o grupo já tinha matado vinte alunos, também em Yobe.
E o Boko Haram não centra suas ações apenas contra escolas. Há também um atentado a carro-bomba em prédio da ONU, e a explosão de um ônibus em Abuja, que matou 75 pessoas. Calcula-se que o grupo já tenha assassinado um total de 3 mil pessoas desde que começou, em 2002, mas seu impacto é ainda maior: de acordo com o Human Rights Watch, o Boko Haram já fez com que 300 mil pessoas tivessem que abandonar suas casas, com medo do terror. E mais de dez mil crianças deixaram de ir à escola devido aos ataques. É óbvio que o alvo principal é a educação de meninas. O líder do Boko Haram disse num vídeo: "Só porque eu peguei algumas menininhas que estavam na escola, todo mundo fica fazendo barulho. Deixe-lhes dizer: eu peguei mesmo as meninas. Eu vou vendê-las no mercado. Meninas, vocês vão se casar!" Pra provocar ainda mais, na semana passada, o grupo terrorista sequestrou outras oito meninas, essas entre 12 e 16 anos de idade, no nordeste da Nigéria.
O que o governo do país tem feito pra reverter essa situação é um show de incompetência. Poucas semanas depois da administração, orgulhosa, anunciar que a Nigéria superou a África do Sul como o maior PIB do continente, ela provou que não sabia o que fazer. Primeiro o exército nigeriano anunciou que havia resgatado as meninas sequestradas, depois negou. Cerca de cinquenta garotas conseguiram fugir, por conta própria, sem qualquer auxílio. Elas relataram histórias de horror: cada menina estava sofrendo quinze estupros por dia, e estariam sendo vendidas para casamento por doze dólares cada uma.
O presidente Goodluck Jonathan levou três semanas para se manifestar, prometendo trazer as garotas de volta. Eu não sei nada sobre o governo da Nigéria, exceto que, assim como muitos outros países africanos, ele vem usando a homofobia (financiada por americanos da direita cristã) para distrair a população da corrupção. Em janeiro, Jonathan assinou uma lei que condena gays na Nigéria a 14 anos de prisão.
Não foi apenas o presidente que demorou para tomar qualquer atitude para tentar resgatar as meninas. O mundo também levou um tempinho -- três semanas -- pra dar atenção ao drama nigeriano. Só quando a hashtag Bring Back Our Girls (Traga de Volta Nossas Garotas) foi tuitada um milhão de vezes é que a mídia ocidental acordou. Como disse uma jornalista, "Se isso tivesse acontecido em qualquer outro lugar, seria a maior notícia do mundo". Mas como foi na África...
E mesmo a campanha, por mais bem intencionada que seja, mostrou o quanto a gente não sabe nada mesmo (e nem quer saber) do continente mais miserável do planeta. Um dos símbolos da campanha Bring Back Our Girls traz a foto de uma menina negra olhando tristemente pra câmera. Mas ela não é uma das garotas sequestradas. Aliás, não é nem nigeriana. Mas, pros ocidentais, africano é tudo igual, né?
Querer proibir a educação de meninas não é exclusividade do Boko Haram. No Afeganistão, em 2008, membros do Talibã jogaram ácido nos rostos de meninas que caminhavam para a escola. Na Nigéria, cinquenta escolas foram destruídas só no ano passado. E todo mundo se lembra de Malala, a menina de 15 anos que recebeu do Talibã um tiro na cabeça (e sobreviveu pra contar sua história), no Paquistão, simplesmente por ser a favor da educação de mulheres.
Malala se pronunciou recentemente, dizendo "Essas meninas sequestradas são minhas irmãs". Segundo a jovem porta-voz pelos direitos das meninas de irem à escola, o grupo terrorista "não entende o Islã. A religião diz que é dever buscar a educação, que você deve buscar o conhecimento e ser gentil com os outros. E esses extremistas negam isso". À CNN, Malala acrescentou: “Eles não querem que as mulheres tenham objetivos. Eu acho que eles têm medo das mulheres. É por isso que estão sequestrando essas mulheres”.
Certamente a oposição à educação de meninas se deve ao medo que o patriarcado tem de que mulheres (e homens) percam seu "papel tradicional" (e, segundo o sistema, biológico e natural) na sociedade. E engana-se quem pensa que essa oposição, esse medo, esteja restrito a países da África e do Oriente Médio, ou aos muçulmanos. No final de 2012, a gente se horrorizou
com o vídeo das "Mulheres diante do trono", um grupo de evangélicas brasileiras que pregam a submissão aos maridos. As pastoras lamentam que meninas prefiram passar no vestibular a cozinhar e costurar, e reforçam que a missão da educação deve ser só uma: "preparar nossas meninas para o casamento". Faz pouco tempo publiquei a opinião de um bispo britânico que é contra as mulheres cursarem universidade. Ele baseia sua justificativa nas palavras de São Tomás de Aquino, que dizia que "o ensino é para os superiores, e a mulher não deve ser superior, mas sujeita ao seu homem".
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Marc Lépine, mascu cana- dense que em 1989 matou 14 alunas numa universi- dade politécnica |
Poucos machistas ocidentais têm a coragem de se opor hoje, no século 21, à educação primária para meninas (lógico que podemos contar com masculinistas anônimos em todo o mundo para defender o fim da educação universal). Mas há vários que são contra escolas mistas justamente para que meninos e meninas possam ter uma educação diferenciada (ou seja, para que garotas aprendam apenas "o que importa", que é cuidar da casa). E há um monte que acha que lugar de mulher não é no curso superior, ou no mercado de trabalho.
Não preciso nem especificar como esta visão é totalmente estúpida. Muitas das meninas nigerianas que estavam terminando o ensino médio iam fazer faculdade. Muitas se tornariam (e espero que ainda se tornem) professoras, médicas, advogadas, engenheiras. O efeito de ter profissionais capazes numa comunidade é imensurável. Ou melhor, nem é: um estudo do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) aponta que, se as mulheres na América Latina tivessem acesso ao mercado formal de trabalho e ganhassem salários iguais aos dos homens, a pobreza no continente teria uma queda brusca de 34%.
Em outras palavras: quer tirar uma região da miséria? Possibilite que mulheres e homens tenham oportunidades iguais de estudar e trabalhar. Inacreditável como tantos ainda achem que dá pro mundo melhorar mantendo metade de sua população em posição de eterna submissão.
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