No Dia Nacional da Caatinga, 28 de abril, uma voz, quase que solitária, grita por medidas urgentes para a conservação da Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro.
O dono da voz é o professor e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco, Marcelo Tabarelli, que há 15 anos vê a degradação desse bioma avançar, sem que haja uma atenção maior por parte dos órgãos públicos e da academia.
?A Caatinga é o patinho feio dos ecossistemas brasileiros?, afirma Tabarelli, que também é consultor voluntário da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, instituição que apoia projetos de conservação no bioma.
A crítica de Tabarelli, considerado um dos maiores estudiosos do bioma, encontra respaldo nas estatísticas oficiais. Levantamentos indicam que já foram perdidos 43% da cobertura original da Caatinga, bioma que tem apenas 1,3% de seu território inserido dentro de unidades de conservação de proteção integral.
Dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) apontam ainda que 40% da região nunca foi estudada.
Nas áreas já pesquisadas, o cenário para preservação da Caatinga é preocupante, pois os estudos de modelos climáticos existentes apontam uma redução drástica de precipitação em toda a região do semiárido brasileiro, que compreende a maior parte do Nordeste do país.
?Sem chuva e com o avanço das obras de infraestrutura e da agricultura e pecuária de baixos investimentos, a Caatinga sofrerá um processo natural de desertificação?, alerta o professor.
Essa pressão antrópica piora a seca em uma região que naturalmente possui baixas médias pluviométricas anuais: as áreas centrais da Caatinga podem receber menos 500 mm de chuva por ano, com precipitação concentrada em apenas três meses, conforme dados do ICMBio.
Nascido no Rio Grande do Sul, Tabarelli teve o seu primeiro contato com a chamada ?Mata Branca? (Caatinga, em Tupi) há 15 anos, quando foi morar em Pernambuco e acompanha de perto a história de muitas dessas espécies.
?A paixão foi imediata?, costuma dizer. Desde então, ele se dedica a acompanhar de perto a evolução do bioma, ao ponto de elaborar um projeto ecológico de longa duração no Parque Nacional de Catimbau, no município de Buíque, em Pernambuco.
?A Caatinga mantém uma biodiversidade rica e é uma fonte econômica importante para os milhões de moradores da região do semiárido. Faltam apenas mais ações (e rápidas) para que este bioma não fique à deriva, à mercê da sorte?, ressalta Tabarelli.
Entre as ações, Tabarelli reforça a necessidade de se promover discussões sobre a Caatinga, disseminar as suas características para órgãos públicos, academia e sociedade, além de reforçar o estímulo à pesquisa sobre esse ecossistema.
?A Caatinga é mal conhecida pela população brasileira. Ela ainda carrega a estigma de ser uma região pobre, sob todos os aspectos?, afirmou.
Além disso, ele sugere a criação de mais unidades de conservação de proteção integral e uma avaliação do modelo de desenvolvimento econômico para a região, que ainda hoje tem na lenha sua principal matriz energética.
A Caatinga ocupa cerca de 10% do território brasileiro, o equivalente a aproximadamente 844,5 mil km² numa área que compreende os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia e norte de Minas Gerais.
O ecossistema possui vegetação do tipo savana, com a presença de árvores baixas e arbustos e dos conhecidos cactáceos, típicos de locais áridos.
É uma região que compreende uma fauna rica em aves (510 espécies), com dezenas de peixes (241) e também diversas espécies de mamíferos (178).
Alguns exemplos de animais são o jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris), o lagarto teju (Tupinambis tequixim) e o simpático tatu-bola (Tolypeutes tricinctus), escolhido como mascote da Copa do Mundo da Fifa de 2014. Também viveu na Caatinga a já extinta ararinha-azul (Cyanopsitta spixii).
Aves da Caatinga:
Nos últimos anos, a Caatinga tem sido apontada como uma importante área de endemismo de aves sul-americanas. Das 510 que vivem no bioma, 23 são consideradas endêmicas, sendo que a maior parte delas figura no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção.
Entre essas espécies em risco, um caso emblemático é o da arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), ave redescoberta no final da década de 70 que faz seus ninhos em cavidades naturais de paredões e cânions.
Para contribuir para a proteção do psictacídeo, pesquisadores da Fundação Biodiversitas realizaram um projeto sobre a reprodução da ave na Estação Biológica de Canudos, na Bahia, com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
O projeto acompanhou o desenvolvimento da espécie a partir do monitoramento de seus exemplares por meio de microchips, do tamanho de um grão de arroz, que são implantados na pele das aves.
O acompanhamento, realizado entre 2008 e 2012, resultou na identificação de 36 pontos nos quais a arara-azul-de-lear faz seus ninhos.
Além de identificados, os animais também passaram por uma avaliação, a partir da qual os pesquisadores conseguiram verificar a saúde dos animais e entender melhor seus hábitos de reprodução para definir ações assertivas de conservação.
Apesar de ser um projeto com longo prazo de execução, a simples presença dos pesquisadores na Estação Biológica de Canudos já inibiu o tráfico de aves na região.
O compartilhamento das informações obtidas por meio dos microchips com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) está ajudando o órgão a mapear os principais locais onde as aves são capturadas.
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Fonte: Maria Luiza Campos
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