O abuso acabou, mas a dor continua - GLAUCIO SOARES
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O abuso acabou, mas a dor continua - GLAUCIO SOARES


CORREIO BRAZILIENSE - 05/12

A prisão de estuprador de menores provoca, em muitos, sensação de justiça. Um alívio porque, pelo menos, durante um tempo, o pedófilo não causará danos a outras crianças. E encerram a conta. Não deveriam. A vitimização não é ato, é processo. Continua. Um preço altíssimo continua a ser pago pelas pequenas vítimas. Em alguns casos, até a morte.

Em setembro, pesquisadores associados com a National Academy of Sciences divulgaram os resultados de ampla pesquisa sobre os danos causados aos infantes. O abuso lhes modifica o cérebro, e as consequências podem persistir indefinidamente. As sequelas serão menores se as crianças forem competentemente tratadas.

Porém, em demasiados casos, não haverá tratamento, e a violência sofrida seguirá influenciando a saúde física e mental, a capacidade de autocontrole (de impulsos e emoções), as notas na escola, o absenteísmo, a capacidade de fazer amigos, tanto como crianças, como depois, como adultos.

A lista é longa: redução da capacidade de aprendizagem cognitiva e socioemocional, limitação do desenvolvimento da comunicação e do idioma se o abuso incluir pancadas na cabeça, cegueira e muito mais. O risco de ter problemas cardiovasculares também é mais elevado, assim como doenças hepáticas e pulmonares; obesidade e tudo o que ela acarreta, inclusive pressão alta, colesterol alto e maior risco de câncer.

A ansiedade, clinicamente diagnosticada, é muito comum e comportamentos tais como fumar muito cedo, usar drogas, abusar do álcool. E há mortes, além dos homicídios intencionais: só em 2011, mais de 1.500 crianças perderam a vida por maus-tratos nos Estados Unidos. É taxa de 2,1 mortes por 100 mil crianças (USDHHS, 2012) - o mesmo índice de homicídios na população total na Finlândia no mesmo ano. A perspectiva para o resto da vida é má.

No sentido amplo, que inclui abuso físico e sexual, falta de carinho e de cuidado e várias outras dimensões, uma em cada sete crianças americanas sofrerá abuso. Só em 2011, foram mais de 600 mil. Pesquisa nacional, feita nos Estados Unidos com 4.500 crianças e jovens de até 17 anos, revelou que uma em sete foi ou será vítima de abuso este ano. Isso significa que, naquele país, a probabilidade de que uma criança seja vítima de abuso em algum momento da vida é muito alta e, algumas, repetidas vezes.

Não se trata de fenômeno americano. Segundo a NSPCC, mais de 50 mil meninos e meninas vivem em situação de risco de abuso na Grã-Bretanha. Um em cada quatro jovens britânicos foi vítima de abuso (todos os tipos) durante a infância. Pesquisa australiana que usou dados do Australian Bureau of Statistics" National Survey of Mental Health and Well-being enfatizou as pesadas consequências do abuso combinado, que inclui abuso físico e sexual. O risco de suicídio feminino na população australiana é de 1,2, mas, entre as que sofreram abuso combinado, o risco disparava para 17,5. Entre homens, os pesquisadores focaram o uso de drogas. Na população masculina, o risco salta de 7,5 para 25,8.

Como seria de esperar, o custo é enorme. O custo, na vida adulta, de crianças que foram abusadas sexualmente é o dobro do de crianças que não passaram pelo suplício. Contudo, o custo dos muitos tratamentos médicos das que sofreram abuso combinado é seis vezes o de crianças com histórias normais. Os abusos continuam pesando nos orçamentos públicos por muito tempo depois de acabarem.

Há o perigo de confundir a ausência de crime com a ausência de estatísticas sobre o crime. O abuso e o abandono de crianças (child abuse and neglect - CAN) são pouco documentados e as estatísticas são inexistentes em vários países. O Balkan Epidemiological Study on Child Abuse & Neglect afirma que os dados são quase inexistentes nos países menos desenvolvidos, inclusive os da Europa Oriental, incluindo os Bálcãs.

Em alguns, devido a guerras civis e regionais, há muitas descrições de casos e mais casos, mas não há estatísticas, o que nos leva a dependência dos países que pesquisam e publicam sobre o tema, gerando a falsa impressão de que se trata de fenômeno característico desses países. Infelizmente, é exatamente nas nações com piores estatísticas que as descrições assistemáticas são mais frequentes. O Brasil é um deles.




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