O BULLYING, A ESCOLA, O CINEMA, E NÓS
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O BULLYING, A ESCOLA, O CINEMA, E NÓS


Uma das cenas tenebrosas do filme mexicano Depois de Lúcia

Esses dias vi dois filmes indicados por várixs de vocês. Ambos estão ligados ao tema de bullying: um é Depois de Lúcia (já já eu falo dele), e o outro é um documentário americano. 
Lee Hirsch, o diretor de Bully (veja o trailer), diz que foi vítima dessa praga quando criança. E o documentário acabou comigo. É terrível ver que tantas crianças e adolescentes têm medo de ir pra escola porque sabem que serão constantemente atormentadas. E é terrível ver que, em geral, as escolas pouco ou nada fazem pra impedir o bullying. Pra muita gente, esse problema mundial é coisa de criança, até uma chance de formar caráter. Pois é, tem quem pense que bullying é positivo, um rito de passagem. Devem ser as mesmas pessoas que defendem trotes nas universidades e que acham que chamar alguém de "gorda nojenta" é bom pra ela, pra ela saber que é gorda (senão, ela não saberia). 
Devem ser as mesmas pessoas que chamaram de fraca e covarde a canadense Amanda Todd, que se suicidou aos 15 anos, depois de ser bullied durante anos e de pedir ajuda na internet. Foi um caso de cortar o coração. Quando escrevi o post sobre sua morte, pensei que não haveria discussão, que todo mundo se revoltaria e se uniria contra o bullying. Nada disso. Um montão de troll veio xingá-la de vadia safada e condená-la por ter se matado por "pouca coisa".
Esta é a maior crítica que faço ao documentário: ele não mostra nenhum caso de bullying como o de Amanda, e que é cada vez mais comum. É o velho slut shaming. Uma garota exibe os seios, ou faz sexo e é filmada. Pronto. Isso é suficiente pra que ela seja perseguida na escola. Aliás, outra crítica pra Bully: hoje o abuso não fica restrito à escola.  Tem cyberbullying também. A internet permite que a vítima seja ofendida 24 horas por dia, e pra um número muito maior de pessoas. (Eu tenho uma teoria: os bullies, quando terminam o ensino médio, intensificam sua trollagem na internet. Podem ser bullies pra vida toda). 
O documentário trata mais de dois adolescentes (meninos) que cometeram suicídio. Apenas uma vítima de bullying por causa de sua orientação sexual é enfocada: uma menina, lésbica assumida. Há também uma única negra em todo o doc, e ela é apontada como vítima e carrasca ao mesmo tempo. 
Essa garota pegou a arma da sua mãe e a usou para se defender e ameaçar os colegas que sempre a atormentaram. Felizmente, nada de tão sério aconteceu (não houve mais um massacre numa escola), mas Bully, ao não explicar direito os insultos que a menina negra e a lésbica escutavam, parece querer fugir do assunto de racismo, homofobia e machismo. Que, como sabemos, são causas constantes de bullying.
Não que o bullying de meninos brancos e héteros -- em grande parte cometido por outros meninos brancos e héteros -- seja menos sério. Apenas que nesses casos o preconceito não é institucionalizado, como é no caso das minorias. Mas é tudo parte da mesma cultura de intolerância contra qualquer pessoa minimamente diferente. E é inadmissível que isso continue acontecendo. 
Não é possível que tudo que nós adultos possamos fazer é repetir: "It gets better". É verdade, a vida melhora, e você não vai ser ameaçado pra sempre, a não ser que escreva um blog feminista, ha ha. Mas crianças e adolescentes não merecem uma vaga promessa de que, daqui a alguns anos, o bullying cessará, e a aceitação dxs colegas importará muito menos do que hoje. Merecem uma resposta agora, já, urgente.
E é por isso que eu considero importantíssimo que adolescentes tenham aulas de tolerância. Que tal instituir uma disciplina de Estudos de Gênero e Diversidade nas escolas?  Não pra, tolinho, ensinar uma menina a ser feminista ou um adolescente a ser gay (como se ensina isso?), e sim pra refletir sobre respeito, tolerância, diferenças, privilégios, aceitação, cidadania, direitos humanos. 
Enquanto a gente não consegue isso (mas tem que ser pauta nossa), iniciativas como a do Feminismo Sem Demagogia, que foi a uma escola pública combater o machismo, devem ser aplaudidas. (Cada vez mais venho recebendo convites não só para palestrar em universidades, mas também no ensino médio. Acho que é uma tendência irreversível). 
O outro filme que vi foi o mexicano Depois de Lúcia, que é ficção, embora seja baseado em várias histórias reais e reconhecíveis. E é devastador (veja o trailer, há dois). Trata de um pai e sua filha adolescente, que mudam de cidade após um acidente de carro matar a mãe, a Lúcia do título. Pai e filha até se dão bem, se amam, mas nunca conversam. O pai, por estar deprimido demais pra lidar com a situação, e a filha, pra não incomodar o pai.
Mas os problemas dele são fichinha se comparados aos de sua filha. A menina se enturma rápido na sua nova escola rica, mas, depois de transar com um colega, e deixar ser filmada, sua vida vira um inferno (obviamente, o menino não é chamado de vadio). 
O modo como Michel Franco filma e edita Depois de Lúcia dá nos nervos -- no bom e no mau sentido. Quase todas as cenas são feitas com câmera parada, sem cortes, sem closes.  Essa técnica cria um certo distanciamento emocional entre filme e espectador, mas ao mesmo tempo te angustia, porque você quer invadir o quadro e dar um jeito naquela situação. Eu não chorei. Em compensação, em alguns momentos eu parecia estar com taquicardia, tamanho era o meu sofrimento. Eu queria gritar "Faça alguma coisa!" pra todo mundo na tela, inclusive (ou principalmente?) pra própria vítima. 
Mas não é só a menina no filme que precisa fazer alguma coisa urgente pra mudar aquela situação desesperadora. Somos todxs nós. Começando agora. Se você é vítima de bullying, não se cale. Fale com seus pais e professorxs. É obrigação da escola parar a violência. Se você é um bully, pare já, e procure ajuda psicológica. E, se você não é nem um nem outro, mas vê alguém sendo bullied, se posicione. Interfira. Manifeste-se. Pare de julgar, e seja legal. Só isso. Começando pela internet, que deveria ser uma ferramenta fantástica  pra mudar o mundo e pra aproximar as pessoas, não pra persegui-las. 




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