O CASO ELOÁ E OS FEMINICÍDIOS DA SEMANA
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O CASO ELOÁ E OS FEMINICÍDIOS DA SEMANA


Eu lembro bem do caso Eloá porque o país parou naquele dia de outubro, três anos e meio atrás. Foi muito chocante ver o desespero de uma menina de 15 anos fazendo de tudo para se convencer que a situação iria acabar bem. Lembro da desastrada ação da polícia paulista, porque deve ter sido o único caso no mundo em que uma refém voltou ao cativeiro. E claro que a invasão policial foi completamente errada naquele momento, daquele jeito (espero que a mãe de Eloá receba o milhão de reais que está pedindo de indenização do Estado, e Nayara, que recebeu um tiro na boca e perdeu todos os dentes e até hoje faz cirurgias reparadoras, dois milhões). Lembro das asneiras da mídia, que tratou aquela tragédia como um crime passional. Foi incrível como, durante o sequestro mais longo que SP já vira, Lindemberg deu entrevistas pra várias emissoras de TV. Na Rede TV, no programa vespertino de Sonia Abrão, um convidado bem trapalhão, um advogado, manifestou, ao vivo, a sua torcida: “Eu espero que isso termine assim em pizza, né, e num casamento futuro entre ele e a namorada, a apaixonada dele, né? Ele tá passando uma fase momentânea, né, e ele tem a motivação de viver, porque um rapaz jovem, quando se apaixona muitas vezes se desequilibra, no caso radicaliza, mesmo. Mas isso vai terminar realmente em final feliz, graças a Deus, eu tenho plena certeza e convicção disto”.
Este vidente sem noção esteve longe de ser o único a descrever Lindemberg como um jovem trabalhador e bem intencionado, apenas um pouquinho nervoso, o que era compreensível, né, pobrezinho. Toda a cobertura (absolutamente sensacionalista) da mídia tratava o caso como algo individual, não uma epidemia que mata dez brasileiras por dia, todo dia, quase todas pelas mãos de quem deveria amá-las, seus maridos e namorados, ou por ex-parceiros que não aceitaram o fim da relação. Diante dessa percepção equivocada, feministas e mulheres em geral tiveram que desenterrar gritos de guerra de três décadas atrás, como o velho “Quem ama não mata”.
O caso Eloá também foi marcante pra mim porque eu estava no começo do blog. Pela primeira vez me dava conta do tamanho da misoginia no Brasil. Surgiram várias comunidades no Orkut dispostas a defender Lindemberg e condenar as vítimas. A mais famosa chamava-se “Eloá virou presunto”, em que a “Ordem dos Homens de Bem” felicitava-se porque Eloá seria agora comida embaixo da terra. Eu não sabia na época, mas sei hoje quem são esses “homens de bem” –- os mascus sanctos. Os mesmos que hoje mantém blog misógino e racista ameaçando pessoas (eu inclusa). Há quase quatro anos eles cometem seus crimes com total impunidade.
Mas pelo menos alguém foi a julgamento esta semana. A cobertura do julgamento de Lindemberg foi outro carnaval da mídia, que se recusa a contextualizar o assassinato de Eloá. Porque não é um caso só, são muitos. Chamou a atenção que a juíza, a promotora e a advogada de defesa eram todas mulheres. Também chamou a atenção que, no júri, havia seis homens e apenas uma mulher (o júri é sorteado). Não havia dúvida que Lindemberg seria considerado culpado; a dúvida era quantos anos de prisão ele iria pegar. O júri agiu muito bem: deu-lhe pena máxima, 98 anos e 10 meses (lembrando que no Brasil é impossível ficar preso por mais de três décadas).
Devemos ficar felizes com o resultado, porque a justiça foi feita. No entanto, nesta mesma semana (como em todas as semanas), houve vários casos aleatórios de violência contra a mulher. Só lembrando de cabeça: seis mulheres foram estupradas, duas mortas, numa festa de aniversário na Paraíba; uma menina de 12 anos foi estuprada dentro de um ônibus, no Rio; em Pernambuco, no meio da rua, um marido espancou sua mulher e a enteada de 13 anos com pedaços de pau (as pessoas filmaram as agressões, mas ninguém apartou); em Minas, uma mulher de 64 anos foi estuprada e morta em sua casa; no Rio Grande do Sul, uma moça quase tem sua vida arruinada por um stalker, e precisa de proteção policial; em Santa Catarina, um marido ateou fogo à mulher, e, em Sergipe, mais um marido ateou fogo, mas neste caso nas partes íntimas da mulher (Naomi Wolf explica porque agressores de mulheres têm preferência por destruir partes do corpo associadas à feminilidade).
Isso tudo é de memória, e só o que eu acompanhei esta semana. Como se vê, não são casos isolados. Não são crimes passionais causados por psicopatas. Não são regionais, nem acontece só no Brasil. Não é uma fase. Esta é uma realidade terrível de mulheres que são agredidas e mortas não por terem feito algo de errado, mas por serem mulheres. Podemos culpar o governo, aliás, os governos, todos os governos de todos os tempos e lugares. Podemos culpar a polícia. Podemos culpar a mídia. Mas isso é cômodo demais. Que tal nos perguntarmos como mudar essa situação? Mas não me sinto confortável em fazer essa pergunta aqui, num blog feminista, que luta contra a violência, ou em fazer essa pergunta pras vítimas. Quero fazer essa pergunta a quem me chama de vitimista por mencionar esses crimes, a quem me chama de maluca por querer que os homens assumam sua responsabilidade nesses nossos feminicídios do dia a dia: o que vocês podem fazer para acabar com essa violência de gênero? Sim, vocês. Vocês são parte do problema. Atacar feminista é fácil. Mas não é o feminismo que estupra e mata mulheres. É o machismo.




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