O DEUS QUE MATOU JOHN LENNON
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O DEUS QUE MATOU JOHN LENNON


Marco Feliciano atira em nome do pai, do filho, do espírito santo

Talvez eu seja suspeita pra falar, pois sou beatlemaníaca desde criancinha: John Lennon foi um gênio. Ele não era um cara fácil e, na minha opinião, agiu muito mal ao fazer provocações baratas a Paul McCartney (um sujeito legal e, óbvio, outro gênio –- dizer que a única coisa que Paul fez foi “Yesterday” deve entrar na lista das grandes forçações de barra) quando o grupo acabou. 

Ah sim, ao contrário do que reza a lenda machista do eterno bromance (amizades masculinas), os Beatles não acabaram por causa de Yoko Ono. Acabou porque um não aguentava mais olhar pra cara do outro, não suportavam mais fazer shows, e estavam em outra fase. Nada a ver com Yoko, que sempre foi uma pessoa tão injustiçada quanto íntegra.

John não foi genial só como cantor, compositor (certamente teve uma carreira solo mais memorável que a de Paul e dos outros Beatles) e co-autor da maior banda de rock de todos os tempos, mas também como ativista político. Ele e Yoko na cama pedindo uma chance à paz ainda constitui uma campanha inesquecível. Foi uma atitude feminista e engajada John afirmar que as mulheres são o negro do mundo. E “Imagine” tem aquela letra que parece mais revolucionária hoje do que nunca. Eles nos pede pra imaginar um mundo sem países, sem propriedade, sem religiões. 

Quem viu o documentário Os EUA contra John Lennon sabe que ele foi persona non grata na terra das oportunidades durante longos anos. Mais de um presidente quis que John fosse investigado, silenciado e deportado. Suas mensagens de paz eram consideradas subversivas no país mais bélico do planeta. 

Dos Beatles, sempre foi ele que fez as declarações mais ousadas e polêmicas, como aquela de 1963, quando ele pediu, num evento em que a rainha estava presente, para que as pessoas nos assentos mais baratos batessem palmas, e para que os restantes chacoalhassem suas joias. 
Ou a célebre declaração que ele deu em 1966 (minha tradução): “O cristianismo vai acabar, ele sumirá e encolherá. Não preciso argumentar isso; estou certo e provarei estar certo. Somos mais populares que Jesus agora; não sei qual desaparecerá primeiro -– rock'n'roll ou cristianismo. Jesus era legal, mas seus discípulos eram burros e ordinários. São eles distorcendo tudo que arruina a coisa pra mim”.

A opinião de John não impressionou muita gente em sua terra natal, mas nos EUA foi um escândalo. Nos estados mais religiosos e fundamentalistas (o que é chamado de Bible Belt, o cinturão da bíblia), pessoas revoltadas protestaram e queimaram discos dos Beatles. A Ku Klux Klan colocou discos dos Fab Four numa cruz em fogo, sua marca registrada.

John teve que pedir desculpas: “Não sou anti-deus, anti-cristo, ou anti-religião”. Anos mais tarde, numa entrevista, ele disse: “Não preciso ir à igreja. Respeito igrejas, mas acho que muitas coisas ruins têm acontecido em nome da igreja e de Cristo”. 
John planejava morrer velhinho. Ele queria ser um sobrevivente, e não via graça nos que seguiam o “live fast, die young” (viva rapidamente, morra jovem). Porém, em dezembro de 1980, quando ele tinha apenas 40 anos, ele foi assassinado em frente ao prédio onde morava em Nova York (o Dakota, o mesmo prédio onde se passa o aterrorizante Bebê de Rosemary).

Um maluco chamado Mark Chapman atirou cinco vezes nele pelas costas (um dos tiros errou o alvo e acertou uma janela), e sentou-se para esperar ser preso, enquanto segurava uma cópia do grande livro O Apanhador no Campo de Centeio. Chapman, que continua preso até hoje, nunca havia perdoado John por sua declaração sobre os Beatles serem mais populares que Jesus. No tribunal, seu advogado queria alegar insanidade, mas Chapman decidiu declarar-se culpado -– seria esse o desejo de Deus.
John dá autógrafo a seu assassino poucas horas antes de sua morte.
 

John não teve a menor chance. Ela já chegou praticamente morto no hospital. Na hora exata de sua morte, contam testemunhas, o circuito do hospital coincidentemente passou a tocar “All My Loving” (Todo meu Amor). Yoko, arrasada, anunciou que não haveria um funeral para seu marido: “John amava e rezava para a raça humana. Por favor, façam o mesmo por ele. Com carinho, Yoko e Sean [seu filho de então cinco anos]”.

Por que estou falando nisso agora? Porque ontem passou a circular um vídeo do pastor Marco Feliciano num culto.
Desde que foi escolhido, a portas fechadas, para ser presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Feliciano tem gerado manifestações contra ele por todo o país. Ele já era um tanto conhecido por suas declarações racistas (segundo sua interpretação da bíblia, os africanos são um povo amaldiçoado por Deus), homofóbicas (“a podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição”), e machistas (feministas querem destruir a família e, consequentemente, o mundo), as quais definitivamente não o colocam em condições de liderar qualquer coisa que contenha as palavras direitos, humanos ou minorias.

Mas quando pensávamos que o infeliz não poderia mais nos surpreender, eis que ele berra num vídeo de sua igreja, depois de mencionar o anjo do juízo que vem correndo a Terra: “John Lennon bateu no peito e disse, os Beatles são mais populares do que Jesus Cristo. Jesus não era pop star como ele, mas sim o mestre de uma grande religião. John Lennon estava olhando pras câmeras e dizendo 'nós Beatles somos uma nova religião'. A minha bíblia diz que Deus não recebe esse tipo de afronta e fica impune. Passou um tempo depois dessa declaração e estaria entrando no seu apartamento, quando ele abre a porta e escuta alguém chamar ele pelo nome, ele vira e é alvejado com três tiros no peito. Eu queria estar lá no dia que descobriram o corpo dele. Ia tirar o pano de cima e dizer me perdoe, John, mas esse primeiro tiro é em nome do pai, esse é em nome do filho, e esse é em nome do espírito santo. Ninguém afronta Deus e sobrevive para debochar!”

Não se pode dizer que Feliciano tem uma igreja que semeia amor e tolerância se ele se vale de um assassino doido e covarde para matar um desafeto. Mas não é difícil ver como tudo que John defendia (fim de religiões, posses, preconceitos) é uma afronta aos interesses do pastor. Feliciano não só fala em nome de Deus –- ele atira em nome de Deus. E o Deus que atira por linhas tortas é cruel, vingativo, e meio lerdinho (ele esperou 14 anos pra matar John). E tem um mau gosto tenebroso pra música.

Sei que é enorme a tentação de dedicar três tiros a Feliciano, um pelo racismo, um pela homofobia, e um pelo machismo, mas devemos lembrar que nós, ao contrário de fanáticos como ele, somos a favor dos direitos humanos.  E direitos humanos são contra a pena de morte, mesmo para quem vem cansando a beleza de todo um país.
Nessas horas eu até queria acreditar em Deus. Eu queria estar lá na porta do paraíso quando Deus comunicasse a Feliciano que ele passaria a eternidade num lugar mais quente e vermelho.




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