O fim da festa nos emergentes - RICARDO HAUSMANN
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O fim da festa nos emergentes - RICARDO HAUSMANN


VALOR ECONÔMICO - 06/09


O entusiasmo pelos mercados emergentes vem se evaporando neste ano, e não apenas por causa dos planejados cortes que o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) fará em suas compras de ativos. As ações e títulos dos mercados emergentes estão em queda e para entender por que, é útil compreender como chegamos aqui.

Entre 2003 e 2011, o crescimento acumulado do PIB (a preços correntes) foi 35% nos EUA, e 32%, 36% e 49% no Reino Unido, no Japão e na Alemanha, respectivamente, todos medidos em dólares americanos. No mesmo período, o PIB nominal mostrou forte crescimento de 348% no Brasil, 346% na China, 331% na Rússia e 203% na Índia, também em dólares.

E não foram apenas os chamados países do Bric que cresceram. O PIB do Cazaquistão cresceu mais de 500%, enquanto a Indonésia, Nigéria, Etiópia, Ruanda, Ucrânia, Chile, Colômbia, Romênia e Vietnã cresceram, cada um desses países, mais de 200%. Isso significa que a média de vendas (mensuradas em dólares) de supermercados, empresas de bebidas, lojas de departamentos, companhias de telecomunicações, lojas de informática e fornecedores de motocicletas chinesas cresceram a taxas comparáveis nesses países. Faz sentido, para as empresas, deslocarem-se para onde as vendas em dólares estão crescendo e, para os gestores de ativos, aplicar dinheiro onde o crescimento do PIB medido em dólares é mais rápido.

A mesma dinâmica que inflou o valor do crescimento do PIB em dólares nos anos bons agora vai operar no sentido oposto: os preços estáveis ou menores das exportações reduzirão o crescimento real e farão com que suas moedas se desvalorizem em termos reais.

Poderíamos nos inclinar a interpretar esse surpreendente desempenho dos mercados emergentes como uma consequência do crescimento da quantidade de coisas reais que essas economias produziram. Mas isso seria fundamentalmente errado. Considere o Brasil. Apenas 11% de seu PIB nominal superior ao da China entre 2003 e 2011 deveu-se ao crescimento da produção real (ajustada pela inflação). Os outros 89% resultaram do crescimento de 222% dos preços em dólares no período, enquanto os preços em moeda local cresceram mais rapidamente do que os preços nos EUA e o câmbio do país apreciou-se.

Alguns dos preços que aumentaram foram os das commodities que o Brasil exporta. Isso refletiu-se em um ganho de 40% nos termos de troca do país (o preço das exportações em relação às importações), o que significou que os mesmos volumes de exportação traduziram-se em mais dólares.

A Rússia passou por uma experiência similar. O crescimento real do produto explica apenas 12,5% do aumento do valor do PIB nominal em dólares no período 2003 a 2011, sendo o restante atribuível ao aumento dos preços do petróleo, que melhorou os termos de troca para a Rússia em 125% e a uma valorização real de 56% do rublo em relação ao dólar.

Em contraste, o crescimento real da China foi três vezes maior do que o do Brasil e da Rússia, mas seus termos de troca deterioraram-se 26%, porque suas exportações de manufaturados ficaram-se mais baratas e suas importações de commodities, mais caras. O percentual de crescimento real nominal do PIB em dólares nos principais países emergentes foi de 20%.

Os três fenômenos que impulsionaram o PIB nominal - aumentos na produção real, um aumento do preço relativo das exportações e apreciação do câmbio real - não operam de forma independente uns dos outros. Países que crescem mais rápido tendem a experimentar uma valorização da taxa de câmbio real, um fenômeno conhecido como efeito Balassa-Samuelson1. Países cujos termos de troca melhoram também tendem a crescer mais rápido e ter uma apreciação da taxa de câmbio real, pois os gastos domésticos de suas receitas de exportação maiores expandem a economia e tornam os dólares relativamente mais abundantes (e, portanto, mais baratos).

O câmbio real também pode se apreciar devido ao crescimento da entrada de capitais, o que reflete o entusiasmo dos investidores estrangeiros pelas perspectivas do país em questão. Por exemplo, de 2003 a 2011, as entradas de capital na Turquia cresceram quase 8% do PIB, o que explica em parte o aumento de 70% nos preços medidos em dólares. Apreciação real também pode ser causada por políticas macroeconômicas inconsistentes que colocam o país em uma posição perigosa, como na Argentina e na Venezuela.

Distinguir entre esses fenômenos distintos e inter-relacionados é importante porque alguns são claramente insustentáveis. Em geral, as melhorias nos termos de troca e os afluxos de capital não persistem indefinidamente: ou estabilizam ou, eventualmente, revertem seu sentido.

De fato, os termos de troca não evidenciam muita tendência a manter-se no longo prazo e exibem uma reversão muito pronunciada à média. Embora os preços do petróleo, de metais e de alimentos tenham subido de forma muito significativa a partir de 2003, atingindo máximos históricos em algum momento entre 2008 e 2011, ninguém espera aumentos de preços semelhantes no futuro. O debate é sobre se os preços permanecerão mais ou menos onde estão ou declinarão, como já ocorreu com os preços dos alimentos, de metais e do carvão.

O mesmo pode ser dito sobre os fluxos de capitais e a pressão ascendente que exercem sobre o câmbio real. Afinal de contas, os investidores estrangeiros colocam seu dinheiro em determinado país porque esperam ser capazes de extrair ainda mais dinheiro no futuro; quando isso ocorre, o crescimento tende a diminuir, se não a entrar em colapso, como aconteceu na Espanha, Portugal, Grécia, e Irlanda.

Em alguns países, como China, Tailândia, Coreia do Sul e Vietnã, o crescimento nominal do PIB foi impulsionado em grande parte por crescimento real. Além disso, de acordo com o Atlas da Complexidade Econômica2, a ser publicado em breve, essas economias começaram a criar produtos mais complexos, prenúncio de um crescimento sustentável. Angola, Etiópia, Gana e Nigéria também tiveram um crescimento real muito significativo, mas o PIB nominal foi impulsionado substancialmente por grandes efeitos dos termos de troca e por apreciação real.

Para a maioria dos países de mercados emergentes, porém, o crescimento nominal do PIB no período 2003-2011 foi causado pela melhora dos termos de troca, afluxos de capital e apreciação real. Esses processos que tendem a reverter à média estão, bem, revertendo, o que implica que o desempenho dinâmico não deverá retornar num futuro previsível.

Na maioria dos países, o valor do crescimento do PIB em dólares superou largamente o que seria de esperar de um crescimento real e de uma admissão razoável do efeito Balassa-Samuelson. A mesma dinâmica que inflou o valor do crescimento do PIB em dólares nos anos bons para esses países agora vai operar no sentido oposto: os preços estáveis ou menores das exportações reduzirão o crescimento real e farão com que suas moedas parem de apreciar, ou mesmo se desvalorizem, em termos reais. Não admira que a festa acabou. (Tradução de Sergio Blum).




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