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Por Najla Passos, no site Carta Maior:A Operação Lava Jato inaugurou no Brasil não apenas uma nova forma de se conduzir investigações criminais, com prejuízos para o amplo direito de defesa e o devido processo legal, como denunciam os juristas. Cunhou também uma nova forma de se fazer jornalismo, no qual o compromisso ético com a veracidade das informações prestadas fica condicionado ao acaso das probabilidades matemáticas.
Trata-se de um ‘fazer jornalístico’ que funciona como uma espécie de ‘roleta russa’, aquele jogo de vida ou morte em que se coloca apenas uma bala no revólver, gira o tambor e dispara contra a têmpora, com resultados imprevisíveis.
Na prática, o jornalista descola uma fonte qualquer na Polícia Federal, Ministério Público ou Judiciário, que o abastece com ‘vazamentos seletivos’ sistemáticos sobre a dita maior operação contra a corrupção do país. Como as investigações são sigilosas e os processos correm sob segredo de justiça, ele fica limitado para checar procedência, cruzar dados, ver o ‘preto no branco’. E como o tempo não dá trégua e a concorrência é real, simplesmente publica a informação tal como lhe foi repassada.
Na maioria das vezes, ninguém sai ‘ferido’. Mas, tal como na roleta russa, há aquele momento em que a arma dispara e faz alguma vítima.
O 'erro' de O GloboParece ter sido o que aconteceu com a manchete de capa publicada pelo jornal O Globo em 11/10 que, quase um mês depois, obrigou a publicação a surpreender seus leitores com uma “errata” na capa do jornal, na edição do último domingo (8).
Note-se que o jornal O Globo é aquele com tanta dificuldade de reconhecer um “erro que levou quase 50 anos para admitir o óbvio: não deveria ter apoiado à ditadura que cassou a democracia, calou parlamento e imprensa crítica, torturou e matou milhares de brasileiros.
“Baiano diz que pagou contas do filho de Lula”, era a manchete em questão, estampada em cinco das seis colunas do jornal. Logo abaixo, uma foto posada exibia o autor da façanha, o jornalista Lauro Jardim, que deixara a coluna Radar da revista Veja e estreava na publicação da família Marinho naquele mesmo dia, com toda pompa e circunstância.
No texto, Jardim narrava que Fernando Baiano, um dos principais operadores do esquema de propinas da Petrobrás, afirmara, em delação premiada, que pagara uma dívida de R$ 2 milhões de Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha. Para bom entendedor, envolvia o filho do ex-presidente mais popular do país com a prática de crime de corrupção passiva.
A notícia se alastrou como pólvora pelo conjunto da imprensa. Sustentou manchetes não só nos veículos das Organizações Globo, mas também nos dos seus comparsas de redação virtual, digamos, concorrentes. Lulinha negou. Baiano, também. A própria Justiça acabou desmentindo que tal acusação constasse na delação premiada do operador. Mas o estrago já estava feito.
Em 23/10, o filho de Lula entrou com ações judiciais, penal e cívil, contra o jornal e o jornalista. Pouco dias depois, em 5/11, o Congresso aprovou o projeto do senador Roberto Requião (PMDB-PR) que disciplina o direito de resposta, revogado em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que não acolheu a Lei de Imprensa que vigia no país desde 1967 como constitucional.
O jornal, então, publicou aquilo que chamou de errata também na primeira página, mas em espaço reduzido, de apenas uma coluna, sem o mesmo destaque da manchete anterior. O texto foi curto e seco. “Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente Lula, não foi citado pelo lobista Fernando Baiano na delação que fez na Operação Lava-Jato. O GLOBO, na coluna de Lauro Jardim do dia 11 de outubro, 'errou' ao dizer que Baiano afirmara ter dado R$ 2 milhões para pagar contas de Lulinha. Na verdade, Baiano não citou o nome e disse que o também lobista e pecuarista José Carlos Bumlai é que pediu o dinheiro alegando que seria para uma nora de Lula”.
‘Errata é um avanço, mas não resolve’Professor aposentado da Faculdade de Jornalismo da UnB, Venício Lima acredita que a publicação da errata é um avanço, porque significa o reconhecimento do erro. “Certamente, é o resultado antecipado da aprovação pelo Congresso da lei que regulamenta o direito de resposta e que, agora, aguarda sanção presidencial”, avalia. O professor, no entanto, não acredita que ela resolva o problema.
De acordo com ele, todos os manuais de jornalismo - incluindo o do próprio O Globo - apresentam instruções de como proceder em caso de erros, porque a profissão, como qualquer outra, está sujeita a eles. Venício ressalta, porém, que essas instruções não contemplam episódios como este. Isso porque não foi uma notícia rotineira, mas a manchete de capa de uma edição de domingo, proveniente da coluna de estreia de um jornalista renomado. E o que é pior: não configura ato isolado.
“Qualquer pessoa que esteja acompanhando o noticiário político da grande mídia no Brasil nesses últimos meses, verá que o tema desse ‘Erramos’ é reiterado, diário, cotidiano. Todo dia tem alguma coisa que vem de um vazamento de uma investigação da Polícia Federal, ou de um vazamento de um procedimento judicial em segredo de justiça, que é passado sistematicamente para alguns veículos e para alguns jornalistas. Não se trata de um equívoco como aqueles que são contemplados nos manuais de jornalismo. Fica difícil de acreditar até mesmo que seja só um equívoco. É uma conduta sistemática”, denuncia.
Para o professor, a dificuldade de reparação do dano está relacionada também ao fato de que a notícia, embora publicada primeiro em O Globo, foi replicada por centenas de outros jornais, inclusive os dois principais jornais brasileiros, a Folha de São Paulo e o Estadão. “A correção não é suficiente, porque o tamanho do dano causado não pode ser reparado por um erramos de um mês depois que não é reproduzido nos inúmeros outros canais de informação que reproduziram a informação incorreta”, afirma.
‘Errata não impede condenações’Ex-presidente da OAB-RJ, o deputado Wadih Damous (PT-RJ) concorda que a errata não é suficiente para evitar que o jornal seja condenado penal e civilmente pela manchete anterior. “A nota não teve o mesmo destaque da matéria, não resultou de acordo entre as partes e o principal: não explicou as razões que induziram o jornalista ao erro, já que não há mais controvérsias de que a matéria relatada é inexistente e, portanto, uma notícia falsa”, esclarece.
Segundo ele, a errata não atende nem mesmo às exigências previstas pela futura lei do direito de resposta, como a questão da proporcionalidade e, por isso, não deve inviabilizar um resultado favorável à vítima nas decisões judiciais. “A matéria que incriminou o filho do ex-presidente Lula foi a manchete do jornal. A errata, não”, compara.
Para o deputado, a admissão do erro é prática incomum no histórico do veículo e, por isso, demonstra grande preocupação do seu departamento jurídico com o episódio “É possível que seja uma tentativa de se precaver da ação judicial já impetrada pelo Lulinha contra o jornal e contra o jornalista que assina a matéria. Mas não é suficiente para evitar a condenação de ambos”, reitera.
De volta à roleta russaO professor Venício Lima alerta que a conduta que resultou na manchete falsa contra o filho do Lula não é prática só de O Globo, mas tem caracterizado o jornalismo político no Brasil nos últimos meses, especialmente após as eleições de 2014. Por isso, é uma questão grave que ameaça o direito à informação, principalmente no país que abriga um dos maiores oligopólios de mídia do mundo.
“A pauta da grande mídia brasileira tem priorizado esse ‘vazamento seletivo’. E um vazamento seletivo que tem origem. Porque o problema não é só da imprensa também. É do conluio entre imprensa e setores da Policia e do Judiciário que alimentam permanentemente esse tipo de notícia. Algumas até se provam verdadeiras depois de divulgada. Outras não. Isso é uma questão muito séria”, denuncia.
Para ele, o problema é agravado pela incapacidade histórica dos setores populares brasileiros de construir um esquema alternativo de informação, que pudesse fazer face a esse oligopólio consolidado. “A melhor solução seria criar um sistema que servisse de alternativa de informação para a população e contrabalançasse o viés que tem caracterizado a cobertura jornalística do sistema dominante. Essa é a questão de fundo”, avalia.
Para o professor, é imperativo que todos os setores que defendem a pluralidade da mídia apoiem o sistema público de imprensa, que ainda é embrionário no Brasil, mas pode vir a se constituir na imprensa alternativa que o país tanto necessita. A curto prazo, porém, a única solução que o especialista vê para o problema é fazer valer a lei recém aprovada pelo Congresso.
“O direito de resposta é um princípio universal, regulado no mundo todo. Mas aqui sofreu uma oposição sistemática das entidades que representam os oligopólios, sobretudo da Abert, que atende os interesses das organizações Globo”, esclarece ele, que torce pela sanção imediata da matéria pela presidenta Dilma Rousseff.
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