Por Milton CavaloNão há como entender a ditadura militar brasileiro se não em um contexto internacional definido pela Guerra Fria, no qual Estados Unidos e União Soviética, entre 1945 e 1989, disputavam território e poder político.
Ao contrário do que a história oficial e a grande imprensa apregoam, em 31 de março de 1964 João Goulart era um presidente popular e só foi deposto devido à ameaça de intervenção bélica norte americana, que se formava por trás do golpe. Documentos que recentemente vieram à tona comprovam tanto esta participação decisiva dos EUA, quanto a grande aceitação de Jango pelo povo. Somente há poucos meses foi divulgada uma pesquisa de popularidade, feita pelo Ibope em março de 1963. A pesquisa mostrou um índice de aprovação de mais de 60% do presidente e revelou que, se candidato, Jango seria reeleito com folga.
Isso porque seu governo, entre 1961 e 1964, foi marcado por grandes aspirações de desenvolvimento econômico, social e cultural, expressos na proposição das chamadas reformas de base. Foi marcado também por um intenso nível de atividade dos movimentos sociais, sobretudo das Ligas Camponesas, do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e da União Nacional dos Estudantes.
Os movimentos sociais e, em particular, o sindicalismo, eram tolerados e até mesmo incentivados pelo presidente, pois serviam ao seu projeto nacional-reformista.
Tal relação, entretanto, era vista como uma ameaça pela elite industrial e empresarial, uma vez que, no coração do capitalismo, os sindicatos poderiam atrapalhar a manutenção de seu sistema de privilégios.
Valendo-se da disposição destes setores conservadores em boicotar o governo brasileiro, os Estados Unidos da América forçou a mão para virar o jogo. Além de ter patrocinado campanhas de políticos de direita, de patrocinar uma forte propaganda anticomunista na imprensa, e de posicionar a Quarta Frota, caso houvesse a necessidade de intervir, o governo estadunidense orientou, descaradamente, generais como Amaury Kruel e Olímpio Mourão Filho a rasgarem a Constituição e deporem o presidente eleito.
Jango e seus apoiadores não arriscaram expor o Brasil à possibilidade concreta de uma guerra civil. E a ameaça de golpe, que assombrou toda sua gestão, tornou-se uma triste realidade na madrugada de 31 de março para 1º de abril de 1964.
Antes do amanhecer daquele 1º de abril, todo o dispositivo repressivo já estava preparado. O CGT, a UNE e as Ligas Camponesas foram tomados e várias entidades sindicais foram invadidas.
No poder, os golpistas destruíram a política nacional de desenvolvimento que nascia. O regime imposto pelos militares promoveu, por 21 anos, atraso econômico, arrocho salarial, diminuição de investimentos em projetos sociais, aniquilação de movimentos e lideranças dos setores progressistas, disseminando o medo e o terror.
Passados 50 anos do golpe, e quase 30 anos do fim do regime, o Brasil vem construindo e aperfeiçoando sua democracia. Ainda são muitas as sequelas desta terrível enfermidade que assolou o Brasil chamada “ditadura militar”. Mas estamos reerguendo nossas instituições, consolidando nossa liberdade política e de imprensa, e formando novas cabeças.
A Comissão Nacional da Verdade, criada em 2011, pela presidente Dilma Rousseff, é neste sentido, um passo fundamental para tirar a sociedade do obscurantismo e jogar luz aos fatos, por mais escabrosos que sejam. Só assim poderemos dar o devido tratamento a eles e fortalecer a soberania nacional.
* Milton Cavalo é presidente do Centro de Memória Sindical, presidente do PDT de Osasco, secretário de Cultura e Memória Sindical da Força Sindical e tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco.
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