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O homem que Vinicius amou
Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:
Louco pelas mulheres, Vinicius de Moraes também amou um homem e a ele dedicou sonetos e canções: o chileno Pablo Neruda. Os dois poetas se conheceram em julho de 1945, quando Neruda veio ao Brasil e fez contato com vários de nossos escritores. Segundo os especialistas na obra de Neruda, foi uma viagem importante na carreira do autor de Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada, por ter sido o começo de seu reconhecimento fora do Chile, como escritor e intelectual comprometido.
Pablo Neruda declamou um poema para o Pacaembu lotado na homenagem ao líder comunista Luiz Carlos Prestes, experiência que descreveria assim em suas memórias, Confesso que Vivi: “aqueles aplausos tiveram profunda ressonância em minha poesia. Um poeta que lê seus versos diante de 130 mil pessoas não continua sendo o mesmo nem pode escrever mais da mesma forma.”
Em 1960, ele e Vinicius viajariam de navio de Montevidéu até a França, consolidando a amizade. Escreveu Vinicius no livro História Natural de Pablo Neruda:
Minha vida, tua morte, nosso amor, nossa poesia.
Por acaso em 60 nos encontramos
Em Montevidéu e viajamos juntos de navio
Ocorreram poesias
Trocamo-nos sonetos de muito amor, amigo
Tu e eu escrevíamos nas tardes quietas
No convés vazio…
O livro foi uma homenagem do brasileiro ao chileno após sua morte, em 1973, apenas doze dias após o golpe que derrubou Salvador Allende. Saiu em edição artesanal pela Macunaíma, de Salvador, com apenas 300 exemplares, ilustrado com as xilogravuras de Calasans Neto. Em 2006, a Companhia das Letras relançou a obra, ainda disponível no catálogo da editora, com prefácio de Ferreira Gullar.
No volume que dedicou a viúva de Neruda, Matilde, Vinicius escreveu: “Com muito amor e dor”. O livro também se transformaria num espetáculo com Toquinho e Quarteto em Cy, no Tuca, em São Paulo, no mesmo ano. Era uma época em que poetas não tinham pudores de se dedicar poemas mutuamente. Vinicius se derramava em amores por Pablo:
Soneto a Pablo Neruda
Quantos caminhos não fizemos juntos
Neruda, meu irmão, meu companheiro…
Mas este encontro súbito, entre muitos
Não foi ele o mais belo e verdadeiro?
Canto maior, canto menor — dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o Cruzeiro
E em seu recesso as cóleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiro
E o seu amor — o amor que hoje encontramos…
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, Cantor Geral
Porque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!
E a paixão do brasileiro era correspondida:
A Vinicius de Moraes
No dejaste deberes sin cumplir;
Tu tarea de amor fue la primera;
Jugaste con el mar como un delfín
Y perteneces a la primavera.
Cuanto pasado para no morir!
Y cada vez la vida que te espera!
Por tí Gabriela supo sonreír
(Me lo dijo mi muerta compañera).
No olvidaré que en esa travesía,
Llevavas de la mano a la alegría
Como tu hermano del país lejano.
Del pasado aprendiste a ser futuro
Y soy más joven porque, en un dia puro,
Yo vi nacer a Orpheu de tu mano.
Como diria outro poeta: e quem há de negar que a amizade é superior ao amor?
Ouça Vinicius declamando em homenagem a seu grande amigo Pablo Neruda no show História Natural de Pablo Neruda (1974).
Breve consideração à margem do ano assassino de 1973
Que ano mais sem critério
Esse de setenta e três…
Levou para o cemitério
Três Pablos de uma só vez.
Três Pablões, não três pablinhos
No tempo como no espaço
Pablos de muitos caminhos:
Neruda, Casals, Picasso.
Três Pablos que se empenharam
Contra o fascismo espanhol
Três Pablos que muito amaram
Três Pablos cheios de Sol.
Um trio de imensos Pablos
Em gênio e demonstração
Feita de engenho, trabalho
Pincel, arco e escrita à mão.
Três publicíssimos Pablos
Picasso, Casals, Neruda
Três Pablos de muita agenda
Três Pablos de muita ajuda.
Três líderes cuja morte
O mundo inteiro sentiu.
Ôh ano triste e sem sorte:
– Vá pra puta que o pariu!
Nestes 100 anos do poeta brasileiro, não deixe de assistir também ao documentário Vinicius, de Miguel Faria Jr. (2005). Saravá!
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