O LINDO BEIJO GAY DE FÉLIX E NIKO
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O LINDO BEIJO GAY DE FÉLIX E NIKO


Ontem foi um dia histórico: o primeiro beijo gay na história da Globo, vamos dizer assim. Eu não estava neste planeta, e perdi. Na verdade, eu não assisti a nenhum capítulo de Amor à Vida
Cena do filme Novela das 8
Pra ser mais franca ainda, eu nem entendia porque tava todo mundo falando de "primeiro beijo gay", porque uns dias atrás eu tinha visto este vídeo com o lindo e talentoso Mateus Solano, e era de agosto. Até pensei: puxa, teve beijo gay na Globo e não fez nenhum estardalhaço. Que progresso! 
Eu sei, eu sei, sou uma vergonha pra humanidade.
Então, foi ontem. E foi uma cena linda (veja aqui) entre Félix (Solano) e Thiago Fragoso, e memorável. Li que em vários lugares as pessoas aplaudiram, vibraram. Isso é maravilhoso, e é uma contraste gritante com a reação que acompanhei uns anos atrás. Não sei quando aconteceu (2003? 2005?) nem com qual novela global (será que foi América?). 
Só sei que foi um último capítulo e eu estava no meio de uns Jogos Abertos de Santa Catarina (xadrez, antes que alguém especule) e todo o alojamento se reuniu diante da televisão no refeitório. Havia a expectativa do beijo gay. Toda vez que os dois personagens se aproximavam um do outro, a plateia do alojamento ia à loucura -- gritava, fazia barulhos de asco, vaiava. No fim, não teve beijo gay. Ainda bem, né, porque, a julgar pela atitude dos meus colegas de alojamento, poderia ter havido um suicídio coletivo. Teria sido o fim do Brasil, quiçá do mundo. 
Desta vez foi diferente. Teve mais comemoração que repúdio. Um mascu disse, injuriado, que ele e um grupo de vinte amigos foram -- o disparate! -- expulsos de um bar quando começaram a vaiar o beijo e provavelmente jogar coisas no telão (teremos beijaços mascus contra a ditadura gayzista? Vamos aguardar). 
Alguns reaças gritaram que este beijo é o começo do fim e a destruição da família tradicional (e as criancinhas, gente?! Graças a esse beijo de alguns segundos, toda uma geração de meninos foi emasculada! Não sei o que isso provocou nas meninas. Apaixonamento em massa pelo Mateus Solano, talvez?). 
Outros reaças reagiram com desdém: "E eu com Niko com isso? É só um beijo, grande coisa!" Se fosse só um beijo, se "a kiss is just a kiss", aconteceria em toda novela, como acontece com os personagens héteros, e ninguém (incluindo vocês) estaria falando nisso neste momento. Sinal de que é muito importante.
Só que não foi o primeiro beijo gay na TV brasileira, como tem gente alardeando.
Antes de mais nada, não estou desmerecendo o beijo. Foi na Globo, ainda a emissora mais vista do país (mesmo que sua influência hoje esteja a anos-luz de quando detinha 80% do ibope). Félix e Niko de mãos dadas olhando pro por do sol foi a cena que fechou a novela (uma novela misógina e gordofóbica), uma honra reservada quase sempre ao casal hétero mocinho. (Desculpe, gente, informação errada: Félix e seu pai no por do sol). 
E foi num momento-chave da luta LGBT no país, logo após um ano horrendo em que tivemos Marco Feliciano (e não conseguimos tirá-lo da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, apesar de todos os protestos) e o sepultamento da lei da discriminação contra a homofobia. 
Ah, e outra coisa: não vamos ficar repetindo "foi um selinho". Não foi um selinho. Selinho quem dava era a Hebe. Até o Silvio Santos dá selinho. Eu não sei em quem ou como vocês estão dando selinhos, mas pra mim selinho é outra coisa. O beijo de Niko e Félix pode não ter sido o beijo de língua mais molhado e excitante de todos os tempos, mas foi um beijo de respeito, romântico, carinhoso. Ok, beijo de casal casado há muitos anos, se vocês preferirem assim. Mas não um selinho.
O primeiro selinho gay mesmo, e o que alguns consideram o primeiro beijo gay da história da TV, foi em 1963, na TV Tupi. Por curiosidade, Vida Alves, a protagonista do beijo, foi também a primeira a dar um beijo hétero na TV. É ela a nossa padroeira do beijo. E claro, um selinho lésbico pré-revolução sexual deve ter sido um escândalo. Mas, se a gente estiver falando de selinhos, já houve vários na TV aberta.
A série Mãe de Santo, da TV Manchete, em 1990, de repente foi o primeiro beijo gay. Só que você pode vê-la aqui: embora a cena seja bonita e cheia de olhares cúmplices, o beijo em si é mostrado contra a luz. A gente só vê a sombra. 
E olha que é "só um beijo", hein? A gente vê 432 cenas de morte com sangue respingando em câmera lenta e tudo bem, isso não vai influenciar as criancinhas; a gente vê mulheres reduzidas a closes de bunda, e óbvio que isso não afeta a autoestima das meninas; mas beijo gay, pelamor, acabou a civilização ocidental como nós a conhecemos!
O primeiro beijo gay mesmo, o primeirão, com todos os detalhes, em vários ângulos, foi em Amor e Revolução, no SBT, em 2011. Foi uma bela novela, totalmente feminista, que, se tivesse sido exibida na Globo, teria gerado uma ampla discussão sobre a impunidade dos carrascos da ditadura militar. Infelizmente, foi no SBT, e pouca gente viu. Mas o beijo entre Marcela (Luciana Vendramini) e Marina (Giselle Tigre) entrou pra história (veja aqui).

E isso que era pra ter tido um beijo entre dois homens, que parece que até chegou a ser gravado, mas na última hora o SBT deu pra trás. 
É fundamental que a gente não fale que "o primeiro beijo gay" foi o de Niko e Félix, porque isso representa um apagamento do beijo de Marcela e Marina. Esse apagamento da vivência lésbica é comum num mundo machista, em que as experiências dos homens (gays, no caso) são vistas como mais relevantes que às das mulheres. E não creio que pela cena de Amor e Revolução ter sido um beijo lésbico tenha sido menos tabu que um beijo entre dois homens. Sexo lésbico não é fetiche de homens héteros -- é a manifestação do amor e desejo entre duas (ou mais) mulheres lésbicas.
De qualquer jeito, acho que devemos comemorar muito o beijo de Niko e Félix. É simbólico, e pode ajudar a mudar nossa cultura tão preconceituosa. 
Mas é isso, gente. Demorou, mas enfim chegou a ditadura gay que tanto prometeram pra gente. Preparem-se para incluir ABBA como matéria obrigatória nas escolas. E, sempre que houver arco-íris, os detratores (aqueles que se recusarem a dançar "Macho Man" e "YMCA" em sequência), serão colocados no paredón e fuzilados com purpurina e lantejoulas. 




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