Neste domingo de Natal estive com familiares na favela Moinho, em São Paulo, para fazermos nossa doação anual de Natal. Escolhemos aquela comunidade após tomar conhecimento da precariedade da situação das vítimas do incêndio de grandes proporções que houve por lá na manhã da última quinta-feira, 22 de dezembro.
O local da tragédia fica relativamente próximo à Cracolândia paulistana. Ao chegarmos lá, fomos informados pela única pessoa que encontramos de que as doações, agora, deveriam ser entregues ao colégio Liceu Coração de Jesus, a poucas quadras dali, porque pessoas da comunidade estariam recolhendo doações com a finalidade de “trocar por drogas”.
Seguimos as instruções, fomos ao colégio e lá deixamos o que teríamos preferido entregar diretamente às vítimas do incêndio, até porque levávamos presentes às crianças. Todavia, alguma coisa nos fez desconfiar de que algo estava errado. A mulher que nos induziu a entregar as doações ao colégio parecia querer que saíssemos logo do local.
Após sair do colégio, decidimos voltar à favela – que, diga-se, só foi queimada parcialmente, tendo sua maior parte sido preservada. Espantamo-nos com a quantidade de pessoas que encontramos perambulando pelas ruas como zumbis.
Apesar de estarmos próximos à Cracolândia, onde é comum ver pessoas nessa situação, aquelas que víamos não eram consumidoras de drogas de forma alguma, mas apenas desabrigados ainda desorientados por uma tragédia que descobriríamos ainda maior do que imaginávamos.
Começamos a conversar com as pessoas que perambulavam pela região e depois recorremos aos moradores das casas no entorno da favela. Em todos aqueles com os quais conversamos foi possível perceber dois sentimentos gritantes: medo e revolta.
Segundo esses vários entrevistados, apesar de a mídia estar dizendo que até agora só foram encontrados três mortos haveria pelo menos trinta vítimas fatais, muitas delas crianças. Essas vítimas seriam, em maioria, do prédio abandonado que também queimou junto com os barracos e no qual viveriam muitas famílias.
O mais chocante, porém, foi uma informação repetida por praticamente todos os entrevistados, de que receberam “ordem da polícia” para não revelar o número estimado de vítimas fatais e de que haveria muitos corpos no interior do edifício destruído pelas chamas, o qual ainda não foi devidamente vasculhado porque corre o risco de desabar.
Apesar disso, foi possível ver pessoas da comunidade vasculhando os andares do prédio. E a única autoridade que vimos foi um membro do corpo de bombeiros do lado de fora do prédio. De resto, nem sombra do Estado. O local está abandonado, ainda que a vida na parte da comunidade que não queimou pareça transcorrer normalmente.
Nos últimos anos, incêndios em favelas em São Paulo viraram tão rotineiros quanto agressões a homossexuais na avenida Paulista. Esses fenômenos só confirmam o que já se sabia, que a cidade foi entregue ao que existe de pior na política brasileira. O resultado do voto irrefletido pode ser visto nessas imagens deprimentes.
Roguemos a Deus, neste dia de Natal, que tenha piedade de São Paulo e que, assim, ilumine seu povo para que na eleição municipal do ano que entra tire do poder essa quadrilha que tomou a administração da cidade e do Estado, pois viver aqui vai se tornando aterrorizante e desolador.
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Após gravar o vídeo acima, em busca de confirmar alguma das informações que recolhi em minha incursão no local da tragédia deparei com essa reportagem do jornal alagoano “Correio do Povo”, porque na imprensa paulista não saiu nada mais desde o dia o último 23. Veja:
25.12.2011
Associação diz que 29 moradores de favela que pegou fogo estão desaparecidos
A Associação de Moradores da Comunidade do Moinho fez uma lista com 29 pessoas que ainda estão desaparecidas desde o incêndio que devastou mais de 300 barracos da favela na manhã de ontem (22). O levantamento foi feito com base em informações de famílias que ainda não encontraram parentes, segundo informou Humberto José Marques Rocha, vice-secretário da associação.
Pelo menos duas pessoas morreram carbonizadas e quatro ficaram feridas no incêndio. Hoje, os bombeiros encontraram por volta de 8h45 o corpo da segunda vítima. O trabalho de rescaldo foi encerrado por volta de 18h desta sexta. A prefeitura contabilizou mais de 300 barracos destruídos.
O aposentado José Ribamar Rocha, 67, que mora há nove anos na favela, acredita que mais pessoas tenham morrido no incêndio. Ao lado da comunidade, há um prédio abandonado, onde moravam famílias sem-teto e era frequentado por usuários do drogas. “O prédio estava superlotado. Moravam umas 250 famílias lá. Tem muita gente que dormia lá e não vivia com nenhum parente”, afirma.
As chamas foram contidas a poucos metros dos barracos do aposentado. A área que está isolada pelos bombeiros começa exatamente ao lado do lugar onde Rocha vive. “Foi sorte que não aconteceu nada [com o barraco]. Ganhei na loteria.”
Aline Lourenço da Silva, desempregada, acredita que haja mais vítimas, já que no momento do incêndio havia muitas pessoas gritando no prédio. “Não tinha como sair dali. Teve gente que viu a pessoa pedindo socorro, mas não conseguiu ajudar”, relembra.
O prédio continua interditado pela Defesa Civil por risco de desabamento. As duas linhas da CPTM (7-Rubi, 8-Diamante) que passam ao lado da favela não estão funcionando nos trechos próximos ao local atingido pelo incêndio.
Destino das famílias
Segundo o coordenador da Defesa Civil municipal, Jair Paca de Lima, 430 famílias foram cadastradas pela Secretaria de Assistência Social.
O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), que foi recebido com protesto de moradores, disse que as famílias do local já estavam cadastradas em programas sociais da prefeitura e agora serão encaminhadas para abrigos –e se não houver abrigos suficientes, afirmou ele, a prefeitura vai construir mais unidades.
A prefeitura disse posteriormente, em nota, que “todas as famílias que tiveram seus barracos atingidos pelo incêndio serão incluídas em programas habitacionais da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab)”. Os ministros Maria do Rosário (Direitos Humanos) e Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) visitaram o local e ofereceram ajuda federal.
Parte das famílias procurou abrigo em casas de amigos e parentes. Outras foram alojadas provisoriamente no Clube Raul Tabajara, na Barra Funda.
Além dos moradores do prédio abandonado, viviam na favela 532 famílias, que totalizavam 1.656 moradores, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre os aglomerados urbanos no Brasil, divulgado na última quarta-feira (21).
Área da favela é alvo de disputa
A área onde está a favela do Moinho vem sendo alvo de disputas judiciais entre a prefeitura e os moradores nos últimos anos. A favela surgiu há cerca de 30 anos, quando um grupo de moradores ocupou uma área da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA). A empresa foi extinta em 2007 e todos os seus bens repassados à União. Antes, em 1999, o terreno foi leiloado a Mottarone Serviços de Supervisão, Montagens e Comércio Ltda. para saldar as dívidas tributárias da RFFSA.
Em 2006, em reunião de conciliação com a prefeitura, a Mottarone demonstrou interesse em doar o terreno para que fosse destinado aos moradores da favela, mas a prefeitura não aceitou a proposta, sob o argumento de que não era possível alojar as famílias no local.
No mesmo ano, Kassab emitiu decreto de “utilidade pública para fins de desapropriação”, medida que obriga o proprietário a ceder o terreno mediante indenização. No ano seguinte, a prefeitura entrou na Justiça com uma ação de desapropriação da área.
Em resposta, os moradores se associaram ao Escritório Modelo da PUC (Pontifícia Universidade Católica) –entidade conveniada à Defensoria Pública para defender os interesses de comunidades carentes– e entraram na Justiça com ação coletiva de usucapião em 2008. A medida é válida para famílias que morem em um local por mais de cinco anos e garante a propriedade do imóvel.
O processo está na 17ª Vara Cível do Fórum Ministro Pedro Lessa. Os moradores garantiram na Justiça o direito de aguardar o fim do julgamento morando na favela do Moinho.
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