Por Felipe Bianchi, no sítio do Centro de Estudos Barão de Itararé:“A mídia será o grande instrumento da oposição na eleição de 2014, que tem tudo para ser uma das mais sujas da história contemporânea do Brasil”. A aposta é de Altamiro Borges, jornalista e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Em palestra na sede da entidade, em São Paulo, realizada nesta terça-feira (11), ele e Renato Rovai, editor da revista Fórum, discutiram o papel dos grandes meios e das novas tecnologias de comunicação nas eleições de 2014. Em comum, a expectativa de um processo intenso, tanto do ponto de vista político quanto do jornalístico.
Inaugurando o Curso de Jornalismo e Política organizado pelo núcleo paulistano do Barão de Itararé, com encontros marcados ao longo de março e abril, Altamiro Borges avalia que o processo eleitoral deste ano será decisivo para setores conservadores da política brasileira. “A partir da primeira eleição de Lula, vivemos uma mudança de blocos no poder", diz, "e os blocos que estão fora do poder devem jogar todas as suas fichas em 2014”.
Os blocos que agregam as forças de direita no país vêm de derrotas seguidas nas urnas em diversas esferas da política. “São partidos patrimonialistas, fisiológicos, que se habituaram ao poder e se enfraquecem muito fora dele”, ressalta. “É um bloco desesperado, que promete uma campanha suja e que deve ir além das manipulações de debate e das baixarias cometidas por Globo e Veja, respectivamente, na eleição de Fernando Collor, ou da ficha falsa de Dilma Rousseff publicada pela Folha de S. Paulo em 2010”, opina.
A força da(s) direita(s) e a mídiaApesar de a direita partidária estar fragilizada, com a candidatura dissidente de Eduardo Campos e a rivalidade interna no PSDB, Altamiro Borges argumenta que há uma onda conservadora na sociedade brasileira, indo além da esfera parlamentar: “Não se trata de uma direita partidária, mas de uma direita societária, que é muito forte. São cerca de 5 mil famílias que vivem de especulação financeira, que têm interesses econômicos e políticos próprios e que conseguem, inclusive, a adesão de setores médios”. Estes setores, “que foram às ruas na Marcha da Família pelo golpe militar e que voltaram às ruas pela redemocratização do país”, são oscilantes e estão em disputa.
No entanto, é o poder “fenomenal” da mídia que mais o preocupa. “Alguns chamam de quarto poder, mas para isso ela teria que ser neutra e apenas fiscalizar os três poderes constituídos”, pontua. “Além de não ser neutra, a mídia atua como um segundo Estado, que não é eleito, mas que se coloca como um poder em disputa com o poder constituído. E que tem, diga-se de passagem, uma grande capacidade de interferência na sociedade”.
Segundo Altamiro Borges, a cartilha da mídia já está sendo definida para a campanha eleitoral. Serão três frentes de ataque. Em primeiro lugar, “jogar numa visão apocalíptica sobre a economia, de que o Brasil está afundando, que a Petrobras está 'indo para o buraco' e que haverá apagão”. Há, de acordo com ele, uma visão terrorista sobre a economia, que ignora a conjuntura internacionall. “No mundo todo, se discute o aumento do desemprego, enquanto nós discutimos o ritmo de geração de emprego; o mundo todo retira direitos trabalhistas e arrocha salários, enquanto nós tivemos avanços – como a 'Lei das Domésticas' – e 96% das categorias tiveram aumento real de salário, acima da inflação. A mídia, entretanto, pinta um cenário de desastre, que abala a confiança no governo e influenciam na escolha do eleitor”.
Em segundo lugar, ele crê na tentativa dos meios em descontruir a imagem de Dilma como “gerentona”, para passar a pintá-la como “incompetente”, falseando a realidade. Por último, assinala, a mídia apostará nos confrontos na sociedade. “Me chama a atenção como surgiram subversivos revolucionários na mídia brasileira, convocando manifestações e protestos. Tentaram tomar a direção dos protestos de junho, por exemplo”, diz, acrescentando que a Copa do Mundo será um cenário de conflito a ser intensamente explorado.
Uma conta a ser pagaO partidarismo dos grandes veículos de comunicação não surpreende Altamiro Borges. Pelo contrário. O jornalista diz que o governo paga por um erro crucial: a ausência de vontade política para enfrentar o monopólio midiático. “Até a Inglaterra aprovou lei para regular a comunicação, enquanto o Governo Dilma optou por não enfrentá-lo e, agora, pagará caro por não levar à frente a democratização da mídia no país”, sublinha. “
Vale lembrar que diversos países da América Latina levaram a cabo projetos de lei para promover a pluralidade e a diversidade na comunicação, como a Argentina, o Equador, o Uruguai, a Venezuela e, mais recentemente, o México – país que tem estreita ligação com os interesses dos Estados Unidos. Enquanto isso, os movimentos sociais brasileiros elaboraram um Projeto de Lei de Iniciatva Popular para tentar levar o tema ao Congresso – São necessárias 1,3 milhões de assinaturas.
A lógica das redes na eleiçãoRenato Rovai, por sua vez, deu ênfase à crescente importância da Internet no cenário midiático. “A última pesquisa sobre hábitos de consumo de mídia no Brasil revelou uma adesão cada vez maior da utilização da Internet para a busca de informação, com os meios impressos já figurando atrás da web”, destaca. “Isso pode significar que, para um sindicalista, por exemplo, talvez valha mais à pena falar às mídias alternativas e à blogosfera do que aos jornalões”.
Mesmo a televisão, que ainda lidera soberana o ranking de consumo do cidadão brasileiro, tem sofrido abalos. “O Jornal Nacional, da Rede Globo, trabalhava na faixa dos 80 pontos de ibope na cidade de São Paulo, enquanto hoje não passa de 30”, aponta.
O poder das redes, de acordo com Rovai, têm servido muito bem a propósitos políticos, desde as manifestações de junho até a greve dos garis. “Hoje, não adianta o governador chamar a grande mídia e combinar não mostrar o lixo nas ruas ou os garis protestando. A rede, distribuída, o faz, e tem impacto grande na discussão pública”.
Mudança de paradigmaPara o jornalista, o impacto das ferramentas digitais em eleições representa uma questão paradigmática. Como ilustração ele escolhe o caso da eleição de Barack Obama, nos Estados Unidos, em 2008. “Na campanha do 'Yes, we can', de Obama, foi criada todo uma simbologia que alavancou sua candidatura, e a Internet foi elemento fundamental para isso”, coloca. “O remix da clássica ilustração de Andy Warhol, de cunho feminista, que traz a inscrição 'Sim, nós podemos', é a maior expressão dessa linguagem”.
“Com as redes interconectadas”, argumenta, “a eleição deixa de ser feita na dinâmica de um para muitos e passa a ser parte de uma construção coletiva e colaborativa”. A bolinha de papel na cabeça de José Serra, na campanha eleitoral de 2010, é outro caso emblemático. “O Jornal Nacional dedicou oito minutos para a denúncia de um suposto 'massacre' de petistas contra o candidato do PSDB, mas a rede revelou que, na verdade, era uma bolinha de papel”, lembra. “A rede, em especial o blog Cloaca News, transformou Serra em uma farsa, e os oito minutos do Jornal Nacional viraram pó, com a Globo fingindo que não era com ela no dia seguinte”.
Para ele, muitas perguntas sobre a questão das redes nas eleições estão abertas e a Internet segue um espaço de disputa permanente. “Não existem tantas respostas sobre as eleições de 2014 no contexto das redes, mas com certeza será muito desafiante e repleta de novidades”, aposta. “Estejam preparados para viver na intensidade dessa eleição, tanto do ponto de vista político, quanto do jornalístico e do cidadão”.
Curso de Jornalismo e Política do Barão SPAs jornadas pelas quais o Brasil passou trouxeram várias lições, tanto para a política quanto para o jornalismo brasileiro. Pensando nisso, o núcleo paulistano do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé promoverá, nos meses de março e abril, um amplo ciclo de debates para refletir sobre a conjuntura social e política e também o papel da mídia nesse processo. Desse modo, o ciclo de debates terá como objetivo alcançar algumas respostas sobre a seguinte questão: como a comunicação e a cultura podem ajudar a população a interpretar o processo social no interior da luta política?
Confira a programação das próximas palestras:
- 18 de março – "A luta social nas redes e a democratização da fala" – Sérgio Amadeu, Renata Mielli e Rodrigo Vianna;
- 25 de março – "A cultura como emancipação e vetor de desenvolvimento" – Juca Ferreira*, Pablo Capilé e Dennis de Oliveira;
- 01 de abril – "50 anos do golpe militar e o papel da mídia" - Beatriz Kushnir*, Laurindo Lalo Leal Filho e Joaquim Palhares;
- 08 de abril – "A luta pela regulação democrática dos meios de comunicação" – Valter Sanches, Rosane Bertotti e Paulo Henrique Amorim;
Saiba como participar aqui.
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