Geral
O passado e o futuro da Microsoft
1. Revisitando o passado da Microsoft
A propósito da ideia de separação da Microsoft em duas empresas [como pretendeu o Juiz Jackson na primeira decisão sobre o processo de investigação de certas práticas da Microsoft nos EUA]
penso que é útil visitar o passado para ver de que forma esta empresa utilizou a sua posição enquanto fornecedor de sistemas de operação para arrasar a concorrência nas chamadas ferramentas de produtividade individual (processamento de texto, folhas de cálculo, software de apresentações).
Estamos no inicio da década de 90 - a MS concorre com a Lotus (líder na área das folhas de cálculo), a WordPerfect (líder no processamento texto), e a Harvard Graphics (referência incontornável nas apresentações). Poder-se-ia ainda juntar a este grupo a FoxPro que tinha alcançado uma posição de destaque nas bases de dados MS-DOS. Embora a Microsoft tenha já uma posição importante na área dos sistemas de operação, a concorrência da NOVELL nos ambientes rede é importante. De que forma vai agir a Microsoft? Introduz o Windows versão 3. Ao fim de 3 tentativas a Microsoft consegue oferecer aos utilizadores dos PCs o tipo de convivialidade que caracterizava desde há vários anos o Apple MacIntosh. Face ao sucesso do novo ambiente gráfico todos os fornecedores de aplicações (LOTUS, WORDPERFECT, ...) lançam-se na sua rápida conversão para o ambiente Windows. Ao fim de alguns meses verifica-se que a Microsoft é a única empresa com uma oferta completa neste domínio. Através da oferta integrada (as chamadas "suites" Office) esvazia os ninhos que tinham sido criados pelos anteriores líderes. Os concorrentes chegam tarde ao mercado e finalmente quando conseguem lançar as suas versões são confrontados com problemas insuperáveis de (falta de) fiabilidade e robustez. Dir-se-á que a MS assumiu o risco ao apostar no novo ambiente enquanto os anteriores líderes assumiram uma atitude mais conservadora. Este argumento não colhe porque a WORDPERFECT dispunha na altura duma versão para Mac – simplesmente a MS sonegou informação vital aos seus concorrentes.
2. A Comissão Europeia não tem razão no caso do Windows Media Player
Os browsers ou os media players não constituem hoje mercados autónomos. Estas funcionalidades são peças fundamentais de um sistema informático. A sua integração nas funções nativas do sistema de operação é inelutável por duas razões: as funções multimidia são essenciais em qualquer plataforma computacional; a coexistência de múltiplas variantes de código numa mesma plataforma só pode ser prejudicial em termos de fiabilidade e conduz a uma ineficiente utilização dos recursos computacionais. Esta análise é válida tanto para o browser (que hoje constitui o interface universal adoptado pela nova geração de aplicações distribuídas). Basta verificar o que se passa no caso de outras plataformas de características semelhantes (caso da Apple). Apenas o motor de busca poderá considerar-se uma aplicação de carácter relativamente autónomo.
Além disso, o Windows Media Player não eliminou os concorrentes, tal como tinha acontecido com browser Internet Explorer. O sucesso do RealPlayer, do Apple IPOD e da multitude de utilitários usados para MP3 são a prova evidente de que este é um mercado muito disputado. Acresce que a utilização preponderante de equipamentos móveis tenderão a remeter a prazo o Media Player para uma posição (ainda mais) secundária. A integração destas funções (tal como outras de inegável importância ligadas a serviços de segurança) é de uma lógica inatacável do ponto de vista tecnológico.
A verdadeira discussão situa-se noutro plano: a Windows Media Player poderá vir a permitir à Microsoft adquirir uma posição importante no mercado emergente dos "Digital Rights Management". Neste domínio a decisão da Comissão poderá efectivamente fazer sentido.
3. Um solução para o abuso de posição dominante da Microsoft
E certo que a Microsoft tem efectivamente abusado da sua posição dominante. Mas isto deve-se sobretudo à natureza do mercado (veja-se a evolução do mercado em sectores como os sistemas de gestão de bases de dados, ERPs, onde a consolidação é norma - naquilo que os analistas anglo-saxónicos designam como "the winner takes all"). As medidas que efectivamente se impõem são de outra ordem:
- decretar a separação entre o sector desenvolvimento de sistemas de operação do sector desenvolvimento de aplicações (Office e afins);
- limitar no tempo a patente sobre o sistema operativo (e.g. 4 anos após os quais todo o código e documentação passam ao domínio público)
Os prazos actualmente consignados para a protecção da propriedade intelectual estão totalmente desajustados duma indústria que é ainda relativamente recente. Basta notar que todos os 4 a 5 anos a MS lança uma nova geração de sistemas de operação.
Carlos Oliveira (Luxemburgo)
PS - Pela sua extensa e cuidadosa fundamentação, penso que estas críticas e sugestões merecem uma leitura atenta. Destaco, o argumento que mais me deixou a pensar. O da limitação dos direitos de propriedade intelectual, adequando-os ao ritmo da inovação próprios da nova economia e mesmo de certos domínios da velha.
MMLM
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