Não é um caso isolado. Outra pancada que acompanhei esta semana vem do meu colunista sexual preferido, Dan Savage, que é gay. Ele deu um conselho horrososo a um leitor que não sente mais desejo pela esposa, recebeu trocentos emails, e, em troca, passou a atacar as mulheres gordas. Equivale a um membro de uma minoria bater numa outra minoria. Não sei se gordas se encaixam numa minoria, e se podem ser comparadas a outras minorias, já que, ao contrário de negros e gays, que nascem negros e gays (sim, gays também, este é o consenso mais recente), gordas optam por ser gordas. Puxa, é mesmo? Se fosse uma opção assim tão fácil, duvido que as gordas continuassem gordas, sabendo do estigma social que isso carrega. Isso inclui os homens gordos também, claro, mas acho muito mais difícil ser gorda que gordo nessa sociedade que, em pleno século 21, ainda espera que as mulheres sejam acima de tudo belas. Há um monte de gordas que comem pouco e fazem exercícios e não conseguem emagrecer. Mas é simples ser magra a vida toda podendo comer de tudo e sem se incomodar em frequentar a academia de ginástica: basta escolher pai e mãe magros. De preferência, opte por avós e bisas magros também, só pra garantir.
Eu fui uma criança magra. Assim que chegou a puberdade, minha magreza foi embora. Já tentei mil e uma dietas. A única vez que mantive meu peso ideal na vida adulta foi antes dos 30, durante sete anos, quando tomei anfetaminas que me faziam passar o dia sem comer nada. Ao parar com essa medicação, que todos dizem ser perigosa, o peso voltou. Sou saudável, tenho colesterol sob controle, mas é lindo ir ao médico pra tratar do ouvido e a primeira coisa que o sujeito me pergunta é: “Você já pensou em perder peso?”. Meu impulso é responder: “Não, hoje ainda não”. Quantos anos de vida uma mulher daria pra ser magra sem sacrifícios? Numa pesquisa com um grupo de obesas que tinham conseguido emagrecer, indagaram o que elas prefeririam, ser cegas ou gordas. 90% preferiu a cegueira. Por quê? Porque a sociedade costuma ajudar os cegos, enquanto despreza os gordos.
No começo do ano, em Floripa, um simpático vendedor de Herbalife olhou pra mim e afirmou que, se eu não emagrecesse, iria “vestir um paletó de madeira” rapidinho. Eu devolvi com um discurso: “Você se deu conta que preconceito contra gordos é o único preconceito socialmente aceito hoje em dia? Pega mal ser racista ou homofóbico, mas tudo bem afirmar que quem é gordo é pavoroso, imoral, doente, e vai morrer amanhã. E você tem o aval da ciência pra falar isso! Mas se esquece que, faz pouco tempo, a ciência também validava preconceitos 'provando' que negros e gays eram inferiores e doentes”. Não sei se aquele senhor mudou sua estratégia de vendas.
É verdade, odiar gordos tá liberado. Muita gente acha que esse ódio é inclusive um dever, porque se os gordos não forem maltratados, eles não vão se tocar e continuarão sendo gordos. Uma colunista americana que dá conselhos pessoais num jornal escreveu que recebe centenas de emails ultrajados do tipo “Por que você se incomoda com essa gente?!” sempre que sugere que qualquer um dos seguintes grupos é humano e pode ter sentimentos: muçulmanos (!), fumantes e gordos. Isso num país em que mais de um terço da população é obesa. Mas pelo menos os americanos têm termos menos pejorativos pras gordas – eufemismos como “full-figured” –, e movimentos de “aceitação das gordas” como o Big Beautiful Woman. O Brasil tem o quê? Tem no máximo o termo “fofinha” pra quem quer descrever uma moça sem usar o pior insulto que há hoje em dia, aquela palavrinha feia que começa com G.