O PREÇO DA ETERNA VIGILÂNCIA
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O PREÇO DA ETERNA VIGILÂNCIA


Vi a notícia sobre os dois irmãos gêmeos que, por andarem abraçados, à noite, na Bahia, foram espancados por um grupo de oito rapazes. Um dos irmãos morreu.
A primeira coisa em que pensei foi algo que presenciei em Floripa, durante o meu mestrado. Nada tão sério, nenhum assassinato, mas aquilo me marcou. Eu estava saindo da casinha em que alugava pra ir à faculdade quando, numa casa na mesma rua, dois rapazes tentavam fixar uma placa logo abaixo do teto. Eles pareciam desconfortáveis, até que o sujeito de cima, meio cambaleante, gritou pro de baixo: “Pô, me segura direito, cara! Pode tocar em mim, eu sou seu irmão!”.
Continuei andando, perturbada por viver num mundo em que irmãos não podem encostar um no outro sem que sua masculinidade seja colocada em xeque.
A segunda coisa que pensei ao ler a notícia dos irmãos gêmeos foi num caso no ano passado, em que pai e filho foram atacados numa feira agropecuária perto de Ribeirão Preto, SP. O grande crime dos dois foi andar abraçados. Sete rapazes confundiram o gesto de amor paterno com aquele pecado gravíssimo, homossexualidade, e partiram pra cima. O pai teve mais da metade da orelha decepada. “Não pode nem abraçar o filho”, protestou ele.
Para reconstruir a orelha, esse pai teve que tirar cartilagem de sua costela. Ele disse à reportagem, na época: “Não saio muito. Fui um dia só, para agradar a namorada e o filho, e acontece isso”. Pois é, se a situação está péssima até para homem hétero, imagina como deve ser para um gay ter seu direito de ir e vir desrespeitado. Para uma mulher.
Imagino que seja quase unânime a condenação a atos assim, contra homens héteros (se eles fossem homossexuais a condenação seria muito menos unânime). Ah, dirão alguns, isso que aconteceu com o pai e filho e com os irmãos gêmeos foi ação de um bando de criminosos. É verdade. São criminosos, foram presos, espero que fiquem presos.
Daí em diante as opiniões se dividem. Uns tentam explicar o incidente sem tocar na palavra homofobia, já que, pra eles, homofobia não existe. Li esta semana mesmo: homofobia é uma invenção de ativistas gays para implantar uma ditadura gayzista. Não sei ao certo como tentam explicar casos assim achando que homofobia não existe, mas deve ser do jeito que explicam os estupros como presente de aniversário em Queimadas negando o machismo. Foram atos individuais, sabe? Rapazes que acordam numa bela manhã, se reúnem com seus amigos e assim, do nada, saem para incendiar índios, espancar empregadas (eles pensavam que era prostituta!), matar homens abraçados.
Outras pessoas dizem que ok, homofobia (e outros preconceitos variados) até existe. Mas só nesses casos chocantes em que alguém acaba morto! Homofobia, pra esse pessoal, é ferir alguém grave e fisicamente. Xingar de viado não é homofobia, é só uma palavrinha à toa. Fazer careta pra casal do mesmo sexo que anda de mãos dadas não é homofobia, é só uma manifestação inocente do seu gosto pessoal. Reclamar com o gerente do restaurante se vir um casal gay se dando uma bitoquinha não é homofobia, é só não querer que seu filho sofra más influências. Não contratar um cara mais “afeminado” pra uma vaga de emprego não é homofobia, é só que você tinha candidatos mais fortes. Querer proibir que se discuta tolerância às diferenças na escola não é homofobia, é só que esse tipo de educação você dá em casa. Afirmar que datas como hoje, Dia do Orgulho Gay, são uma bobagem não é homofobia, é só o seu jeito de esfregar na cara das pessoas a sua orientação heterossexual.
E, pode apostar, ainda tem a galera que vai dizer que irmãos gêmeos espancados ou pai perder a orelha não é homofobia, porque... as vítimas nem eram gays!
Pra essas pessoas, a gente já disse mil vezes, mas vai repetir: homofobia, transfobia, machismo existem, são fortes, e sempre caminham juntos. Todos são a mesma face de uma masculinidade com prazo de validade vencido. Uma masculinidade que diz que homem que é homem, homem que é homem com H, homem de verdade, tem que encontrar sua definição de masculinidade nos seus opostos. Portanto, homem tem que ser o contrário de mulher. Tudo que é feminino é ruim e deve ser superado. Tudo que for ambíguo. Tudo que não seja comportamento de macho. Só que tudo tem um preço. Ser rei do universo não é só um passeio. Pra manter os privilégios masculinos, é preciso pagar pedágio. E esse pedágio é viver uma eterna performance burlesca, é vestir uma máscara em que você finge ser homem. No que tudo de atrasado que significa Ser Homem é incluso.
Entra aí não poder chorar, não poder ser carinhoso com os próprios filhos, não poder tocar num outro homem — nem que este homem seja seu pai ou seu irmão. É o preço da eterna vigilância. Tem certeza que esse modelo de masculinidade que você se empenha em seguir é positivo? Tem certeza que vale a pena viver num mundo, ou num país, em que pais e irmãos não podem se abraçar, porque qualquer ato de afeto entre homens fará outros homens pularem em cima pra defender uma masculinidade que eles mal conseguem definir? Pense bem, antes de responder. E tente encontrar uma definição de masculinidade que não seja tão danosa.
Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, alguns congressistas tramam interferir num conselho autônomo, o Conselho de Psicologia, para que aceite a “cura gay”. Sim, tem muita gente que acredita que homossexualidade é doença e, como tal, pode — deve! — ser curada. O incrível é que essa gente esteja no Congresso de um estado que deveria ser laico, e com peso para perpetuar a discriminação.
O que deve ser curado não é o gay, é o homofóbico. O que precisa de uma cura urgente — e isso depende de você, da gente — não é a homossexualidade. É todo um conceito falido de masculinidade.




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