O racismo midiático e as elites
Geral

O racismo midiático e as elites


Por Dennis de Oliveira, na revista Fórum:

Entre o final do século XIX e início do século XX, o racismo no Brasil travestiu-se de um discurso pretensamente científico ao importar as ideias das teorias da eugenia e da antropologia criminal, que eram fortemente presentes nos círculos intelectuais daqui. E foram ressignificadas. A teoria da eugenia prega a separação entre “raças”, afirmando que a mestiçagem produz um tipo degradado de ser humano. É a base de políticas segregacionistas, como o apartheid.

No Brasil, a teoria foi adaptada à circunstância de ser uma nação com maioria de população negra. Aí houve a adaptação para o “branqueamento”, a ideia de que a mestiçagem seria uma política “limpa” de faxina étnica. O diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro João Batista de Lacerda apresentou essa “solução brasileira” no Congresso Internacional das Raças de 1911, em Londres, como uma medida eficaz para a limpeza étnica, silenciosa e sem confrontos.

A mestiçagem foi novamente tratada, dessa vez como singularidade nacional, na obra de Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala. E dessa vez não como uma solução de limpeza étnica, mas como símbolo de uma tolerância racial tipicamente brasileira que deu base à ideia da democracia racial. Freyre teve o mérito de deslocar o conceito de raça da biologia e colocá-la como categoria das ciên­cias antropológicas.

O que se percebe nessas experiências é que o racismo foi uma ideia discutida no campo das ciências. Foucault, em Microfísica do poder, fala que o racismo não surgiu como uma “ideologia política”, mas como uma “ideo­logia científica”. Isso é importante para que percebamos que o racismo é um discurso que tem uma lógica e é racional. Não se trata apenas de deturpação ou de ignorância (embora alguns racistas efetivamente tenham isso), mas de uma narrativa sofisticada e articulada. Por isso, ele persiste no imaginário de muitas pessoas, penetra nas instituições e estrutura as relações sociais do país, por mais que o movimento antirracista denuncie e tenha algumas vitórias no campo legal e normativo.

Os principais sujeitos do racismo científico são as elites intelectuais. Foi no campo acadêmico que ele se estruturou e a legitimidade dessa elite intelectual possibilitou a sua disseminação como narrativa ideológica. Partilharam desse discurso personalidades importantes na intelectualidade brasileira, algumas até próximas a propostas nacionalistas e progressistas, como o escritor Monteiro Lobato e o educador Anísio Teixeira, simpatizantes e até militantes da causa da eugenia.

O que percebemos atualmente é que a legitimidade do discurso racista vai paulatinamente se deslocando da esfera acadêmica para a midiática. São as elites logotécnicas, conceito de Muniz Sodré para definir o campo de profissionais que operam a indústria imagética e midiática, que operam o novo discurso racista. Novo porque o campo da indústria imagética é distinto da academia. Na academia, o elemento ideológico é a razão instrumental. Na indústria imagética, a visibilidade e a celebridade.

O caso recente do personagem da novela Amor à vida, que é uma criança negra adotada por um casal de classe média alta, é um exemplo disso. A criança negra terá os seus cabelos cortados porque o autor da novela – Walcyr Carrasco – diz que uma família rica que adotasse uma criança negra “faria isso” e que “quer um personagem que seja aceito”, ignorando que um ator da própria novela, Marcelo Anthony, tem uma criança negra adotada sem ter o cabelo raspado. Irritado com as críticas, ameaçou ainda que, se não ficarem satisfeitos, tira o personagem, e ponto.

Por diversas vezes, o movimento negro reivindicou cotas de participação de negros e negras nas produções midiáticas de ficção e publicidade, reivindicação sempre rejeitada pelos membros da elite logotécnica, sob a alegação que isso iria ferir a “liberdade de criação” do autor. Como se essa liberdade de criação não estivesse submetida às lógicas do capital que emprega tais autores.

O racismo midiático é uma das novas fronteiras de enfrentamento do movimento antirracista. E também uma das mais difíceis. Porém, conforme se observa em todos os outros campos da luta social, a democratização plena não acontecerá sem a democratização total da mídia.




- Racismo E Direita, Tudo A Ver
Por Dennis de Oliveira, no blog Quilombo: Combater o racismo implica necessariamente ser de esquerda no Brasil. Isto porque ser contra o racismo é ser contra o sistema de opressão vigente que possibilita que o capital se concentre e se reproduza em...

- Ultrapassar Os Obstáculos Do Racismo
Editorial do jornal Brasil de Fato: Chegamos nesta sexta-feira a mais um 20 de novembro, dia da Consciência Negra. Completam-se 320 anos do assassinato do líder Zumbi dos Palmares, exemplo de resistência do povo negro e luta por igualdade. Passado...

- O Racismo Na Mídia Brasileira
Por Cecília Bizerra Sousa, na revista Carta Capital: “Sempre que venho ao Brasil, assisto à TV para ver como o país se representa. Pela TV brasileira, nunca seria possível imaginar que sua população é majoritariamente negra”. Esta observação,...

- Consciência Negra E O Racismo Na Mídia
Imagem extraída do sítio: http://www.geledes.org.brPor Cecília Bizerra Sousa, na revista CartaCapital: Hoje é véspera do 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. Dia em que Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, foi perseguido e...

- Alexandre Pires, Mídia E Racismo
Por Dennis de Oliveira, na revista Fórum: “Sinto-me profundamente chocado com qualquer leitura racista ou sexista num clipe protagonizado por mim, negro com orgulho da minha cor, autor e intérprete de música romântica, sem que isso nunca tenha...



Geral








.