Por Wladimir Pomar, no sítio Correio da Cidadania:Na história das lutas de classes, há momentos conjunturais, de eventos aparentemente casuais, que fazem as classes dominantes e seus representantes políticos se jogarem, como urubus sobre carniça, para cercear ou impedir que as classes dominadas se manifestem democraticamente. O brutal assassinato do cinegrafista Santiago Andrade, atingido mortalmente por um rojão, durante uma manifestação contra o aumento das tarifas de ônibus no Rio, é exemplo emblemático de um desses momentos.
Secretários de segurança, deputados, senadores, comentaristas políticos et caterva exigem não só leis antiterroristas, mas uma legislação mais dura que, na prática, transformam qualquer manifestação popular em crime de segurança nacional. E, com as declarações dos criminosos de Santiago, de que muitos vândalos eram financiados para realizar as arruaças, pretendem envolver partidos políticos de esquerda, como passo para emparedar o conjunto da esquerda e as manifestações populares.
O que se deve perguntar é por que, só agora, mais de meio ano após as manifestações de junho de 2013, essa gente descobre algo que já era evidente e denunciado por inúmeros comentaristas. Naquela ocasião, muitos como nós sustentaram que havia “a ação secreta de policiais e provocadores, para promover quebra-quebras”, enquanto as tropas de choque reprimiam violentamente apenas os manifestantes pacíficos.
Também chamaram a atenção para o fato de que era no processo de finalização e dispersão das manifestações que “grupos armados de rojões, paus, pedras e até coquetéis molotov” realizavam depredações, saques e outros atos de vandalismo. Denunciaram que tais atos interessavam, como ainda interessam, “aos agrupamentos da direita civil e militar, muito ativos nas redes sociais”, que pregam a tomada do poder para limpar a casa, da mesma forma que foi feito de 1964 até o início dos anos 1980. Não esqueçamos que o atentado no Rio Centro foi em 1981.
E apontaram que grupos sociais conservadores, proprietários de indústrias, redes comerciais e de serviços, bancos, instituições financeiras, e meios de comunicação, enxergam nas ações de vandalismo uma oportunidade de enfraquecer o governo Dilma. Assim, não foi por acaso que, mesmo sabendo que os vândalos usavam a tática de só realizar o quebra-quebra após a dispersão das manifestações, as polícias militares deixaram de agir preventivamente, só aparecendo no meio ou no final das destruições.
No caso específico do Rio, a polícia sequer investigou certas raposas políticas que têm por base social os lumpesinatos burguês e proletário. Isto, apesar de vários analistas sugerirem que era essa base social que operava como “tropa de choque das arruaças”, seja por conta do financiamento promovido por aquelas raposas políticas, seja por conta da notória relação desses políticos com milícias e com práticas ilegais.
Em agosto de 2013 estranhamos que, àquela altura dos acontecimentos, com todo o aparato de “inteligência” existente, as polícias ainda não tivessem mapeado os poucos membros dos grupos que quebravam e destruíam bens públicos e privados, e não os tivessem levado à justiça para responder por atos de vandalismo.
O assassinato covarde de Santiago destampou todos esses aspectos da luta de classes real que viceja na sociedade brasileira. Mas a grande imprensa continua se esforçando em encobrir o papel que a polícia militarizada tem desempenhado nesse processo. Procura fazer crer que tudo acontece por falta de leis apropriadas, nada diz sobre a inoperância policial em descobrir o que era evidente há muito, e levanta a bandeira demagógica de proteção dos jornalistas, como se estes fossem cidadãos privilegiados e acima da cidadania que sofre o dia a dia da violência policial e marginal.
Na verdade, quem criou o ambiente favorável para a ação dos grupos vândalos foi a violência policial antidemocrática, reacionária, opressiva e covarde. É ela que sempre baixa o cacete, espanca e atira, seja com balas verdadeiras, seja com balas de borracha, no povo em manifestação. E, entre os Black Blocs, havia policiais infiltrados e lúmpens aliciados para realizarem quebra-quebras, depredações e saques, com a finalidade de desmoralizar as manifestações.
Portanto, mesmo que entre os Black Blocs existissem os que se intitulavam anarquistas, socialistas, revolucionários, agrupamentos desse tipo tendem para o fascismo e para justificar a ação policial. Nessas condições, quanto mais a PM se jogava, com balas e cassetetes, sobre os manifestantes sem máscaras ou capuzes, ao invés de utilizar seu poder investigativo para processar sem violência a minoria Black Bloc, mais evidente ficava a articulação entre violência policial e vandalismo. É essa evidência que a prisão e a confissão dos assassinos de Santiago está trazendo à luz, e que alguns procuram esconder.
Antes, havia a pretensão explícita de criar um ambiente favorável a aventuras golpistas. Não esqueçamos que todos os golpes de Estado da história brasileira foram consumados a pretexto de “manter a ordem”. A baderna interessa fundamentalmente à direita conservadora e reacionária, que tem pânico de que o povo se acostume a praticar a democracia.
Agora, na impossibilidade de golpes de força, a direita conservadora e reacionária quer não só esconder que era ela quem aliciava jovens para praticar o vandalismo nas manifestações, mas também aproveitar a comoção social para aprovar leis duras que coíbam não só o vandalismo, mas também qualquer manifestação popular. Isto, embora os vândalos e os criminosos possam ser apenados com base na legislação existente, como aliás demonstra o processo contra os assassinos de Santiago.
Assim, o que está em pauta, no atual momento da luta de classes no Brasil, é a tentativa de um golpe branco contra a ampliação da democracia e dos direitos populares. Portanto, é preciso impedir que tal golpe tenha sucesso. Por um lado, desmascarando a responsabilidade policial pela violência nas manifestações e por sua inépcia e cumplicidade com a ação dos vândalos, Black Blocs ou não. É fundamental retomar a velha proposta, apresentada na Constituinte de 1986 a 1988, de desmilitarização das polícias. É nessa militarização que está a origem da verdadeira guerra civil disfarçada que mata, todos os anos, grande parte da juventude brasileira, principalmente pobre e negra.
Por outro lado, os movimentos sociais e os partidos de esquerda devem exigir que a polícia seja ativa na identificação, localização, prisão, julgamento e punição, nos termos da lei, dos atos individuais de violência, seja em manifestações populares, seja em estádios e em outros eventos públicos. O caso do assassinato de Santiago demonstra que a polícia não precisa de novas leis para agir. Ela tem condições técnicas à vontade para identificar, localizar, prender e processar os atores de qualquer tipo de violência. Desde que queira, ou que seja obrigada, pelo clamor público, como agora.
Os movimentos sociais e os partidos de esquerda também precisam combater e denunciar, sem vacilação, os grupos traficantes, milicianos, vigilantes, fascistas, racistas, machistas e homofóbicos, mesmo que se disfarcem de “anticapitalistas”, “anarquistas” ou “esquerdistas”, financiados, orientados ou estimulados pelos mesmos setores da direita conservadora e reacionária que financiaram a Operação Bandeirante e os DOI-CODIS durante a ditadura militar.
Finalmente, os movimentos sociais e os partidos de esquerda não podem deixar a contenção preventiva de indivíduos e grupos de vândalos a cargo da polícia, em especial da polícia militarizada. Precisam organizar equipes cuja missão consista em identificar e impedir a ação dos provocadores e arruaceiros, de tal forma que, para a população em geral, fique evidente não só o pequeno número desses elementos, mas também a omissão policial. Em várias manifestações populares de junho de 2013, houve a ação espontânea de equipes desse tipo, que impediram por algum tempo que os vândalos agissem. Agora é preciso saltar da espontaneidade para a ação organizada, ou a direita conseguirá seu objetivo de cercear a participação e a manifestação democráticas das grandes massas populares.
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