O trabalho e a criação
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O trabalho e a criação


Por Mauro Santayana, em seu blog:

Agostinho da Silva foi adversário de Salazar em tudo: como filósofo, desmentiu o ditador, que afirmava não ser a sua raça (e a nossa) incapaz de abstrações filosóficas. É desse pensador, que passou grande parte de sua vida no Brasil como exilado político, a idéia de que o homem não nasceu para trabalhar, e, sim, para criar. Não é por acaso que o vocábulo “trabalho” vem do latim “tripalium”, que era um instrumento de tortura na Antiguidade.

Os artesãos não “trabalham”, uma vez que criam suas peças; a elas, sem que percam o fim útil a que se destinam, acrescentam alguma coisa de si mesmos, do seu engenho e do seu sentido estético. Assim, são “obras de arte”.

No mundo industrial de nossos dias já não existem artesãos, a não ser os que, por decisão própria, vivem à margem do sistema, embora por ele sejam também explorados. Os desenhistas industriais podem criar, mas o seu trabalho está sempre submetido às razões do mercado, o que lhes retira a liberdade. Só dele conseguem escapar plenamente os artistas, em estrito senso, quando não se deixam levar pela ambição do dinheiro.

Ao fazer a crítica do sistema industrial moderno, Marx acertou no centro do alvo, ao afirmar que o trabalhador de nosso tempo se transformou em “complemento vivo de um organismo morto”. Os trabalhadores são obrigados a acompanhar o ritmo das máquinas; não podem sujeitá-las às exigências de sua atenção e de seus músculos.

Em Tempos Modernos, Charles Chaplin, com seu talento, conseguiu dar à idéia de Marx as belas imagens que mostram a servidão do operário à máquina e, por extensão, às engrenagens do capitalismo.

Quando os tecelões ingleses se revoltaram no fim do século 18, aparentemente sob a liderança de Ned Ludd, contra os teares a vapor, não manifestavam apenas seu mal-estar com o desemprego que a força motriz provocava: rebelavam-se pelo fato de que a nova máquina lhes exigia atenção máxima e repetição exaustiva do movimento de corrigir as falhas da tecelagem, no parar e reiniciar das operações.

O homem não nasceu para trabalhar, mas deve ser produtor, a fim de se afastar das duras condições da natureza bruta. O ato de produzir – e podemos pensar no coletor, no caçador e no agricultor em sua situação clássica – não é alienante em si mesmo. Exige destreza, atenção e criatividade. Mas, nos dias de hoje, sobram poucos agricultores livres. Ao chegar ao campo, o capitalismo aposentou os lavradores e criou um operariado rural para manobrar as grandes máquinas que preparam o solo, plantam e colhem.

Essas novas realidades estão minguando o espírito de luta dos trabalhadores. O dia primeiro de maio lembra a sua dura resistência contra a brutalidade do liberalismo dos séculos 18 e 19.

A ordem de domínio neoliberal de nossos dias transformou-o em dia de festas e piquenique.




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