Por Maria Inês Nassif, no jornal GGN:O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), venceu a disputa pela reeleição com 66% dos votos, em 2010. Segundo a pesquisa CNI-Ibope divulgada na quinta-feira, não dispõe atualmente de mais de 12% de aprovação ao seu governo. Até o final do ano passado, considerava-se forte o suficiente para ameaçar a presidente Dilma Rousseff de se retirar do palanque da reeleição, se o PT fluminense não recuasse da decisão de lançar o senador Lindbergh Farias ao governo do estado, contra o candidato do PMDB, o vice Pezão. Hoje, estuda seriamente apoiar Lindbergh se o governo arrumar uma saída política honrosa para a situação em que se encontra - apoio, aliás, que não conta com o entusiasmo do senador petista.
Muita coisa aconteceu de lá para cá. As manifestações de rua, que o tornam alvo diário de hostilidades, são apenas o fim de um inferno astral que começou no início de seu segundo mandato, e que desde então não o livra de um permanente viés de baixa.
Cabral foi um fenômeno político menos por sua capacidade de mobilizar massas ou liderar partidos, e mais pelo seu senso de oportunidade. Iniciou na política muito jovem - jamais teve outra profissão -, escolheu bem os seus amigos e fez o seu próprio grupo político. Chegou ao governo numa das eternas vagas abertas na política fluminense pela decepção com a política tradicional, e após o PSDB fluminense sangrar todo o seu capital político com um governo considerado pouco eficiente e pouco afeito às delicadezas da probidade, comandado pelo falecido Marcelo Alencar.
O PMDB do Rio, sob sua liderança, manteve uma trajetória solo do partido nacional: Cabral nunca foi ligado ao vice-presidente Michel Temer, ou aos líderes peemedebistas na Câmara e no Senado. Desde que foi eleito governador do Rio pela primeira vez, em 2006, o PMDB do estado é o seu quintal exclusivo, compartilhado com pessoas que privam da sua intimidade ou têm senso de oportunidade suficiente para mover interesses políticos do governador no estado ou fora dele.
Foi como "terceira via" do PMDB que impôs o nome do deputado Eduardo Cunha para a liderança do partido na Câmara - uma tentativa de colocar o pé na política nacional, depois dos abalos de popularidade sofridos no estado, que o afastaram ainda mais do partido em Brasília.
O grande cacife do primeiro e festejado mandato de Cabral, de 2007 a 2010, foi também o seu senso de oportunidade: aproximou-se muito do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já estourava em popularidade. Era mamão com açúcar para um governador que, sem partido sólido no estado e sem apoio do partido nacional, fazia um eleitorado fácil usando a popularidade do presidente Lula, que era de outro partido, e dinheiro e programas do governo federal para a chamada pacificação de favelas e para a urbanização das regiões mais pobres da região metropolitana – esta abriga cerca de 70% da população do estado e o correspondente em eleitores.
Quando chegou o ano de disputar a reeleição, Cabral faturou junto ao eleitorado pobre. Mas reassumiu um segundo mandato convivendo com a presidente Dilma Rousseff, com quem não tinha grandes relações. O programa de pacificação das favelas começou a fazer água quando a polícia "pacificadora", na maioria das favelas, começou a cobrar da população, e também para liberar o tráfico (desarmado, mas atuante no comércio) e mesmo para a realização de bailes funks nos morros cariocas, a exemplo dos milicianos que foram expulsos por operações que antecederam a criação dessas zonas teoricamente "libertadas" pela polícia.
Conforme a polícia passou a operar nessas zonas da capital, a violência chegou às cidades mais pobres da região metropolitana, para onde o tráfico armado foi empurrado. A imagem do governo que resolveu o problema da violência no estado foi ruindo, conforme o tráfico e a banda podre da polícia se acomodaram às exigências da política de ocupação das favelas.
Enquanto perdia popularidade nas regiões mais pobres do Estado, o governador peemedebista não ganhava na Zona Sul, onde uma oposição estridente se mantém à sua porta, no Bairro do Leblon, pedindo que vá embora, há quase dois meses. Na opinião de uma fonte carioca, Cabral foi juntando contra si evidências de que acumularia todos os defeitos indesculpáveis em um político, no momento em que a população critica a política tradicional: arrogância, ligação com empresários de fama duvidosa, pendor para o fausto e a riqueza, exibicionismo e pouca consistência entre suas posses, sua origem social e sua vida profissional.
O primeiro grande golpe foi a queda de um helicóptero, em junho de 2011, com a namorada de seu filho. A tragédia, que vitimou várias pessoas, trouxe à tona relações demasiado estreitas com o então presidente da Construtora Delta, Fernando Cavendish. O helicóptero era de Cavendish, e transportava um grupo que vereaneava em um caro resort na Bahia, o governador incluído. Ele e o filho apenas não morreram no acidente porque foram transportados no voo anterior deste mesmo helicóptero.
Em maio do ano seguinte, Cavendish entra com nova contribuição ao inferno astral do governador. Ele foi apontado como participante do esquema do contraventor Carlinhos Cachoeira, e a suspeita era a de que Cachoeira fosse sócio oculto da empreiteira. Cabral ficou devendo ao PMDB, ao PSDB e a uma parte do PT o favor de livrá-lo de depor na CPI do Cachoeira. No decorrer do escândalo, seu adversário local, o deputado Anthony Garotinho, divulgou foto em que Cabral, Cavendish e um grupo de assessores do governo do Rio comemoram alguma coisa em um restaurante em Paris, todos eles com um guardanapo na cabeça e uma taça e champanhe na mão.
Às denúncias, sucederam-se as obras de reforma no Maracanã – que, caríssimas, acabaram por resultar em ingressos igualmente caros. Não se deve menosprezar o efeito Maracanã sobre a popularidade de Cabral, segundo fontes ouvidas pelo Jornal GGN. Os gastos feitos na obra, e a distância cada vez maior do carioca comum do grande feito administrativo do governador, estão na sua conta.
Ao longo desses três anos e meio do segundo governo, Cabral também apartou o seu eleitorado do de Lula. O senador Lindbergh Farias, do PT, cavou na marra uma candidatura ao governo – hoje está muito à frente de Pezão, e não existem razões para que o PT o tire do páreo para beneficiar o protegido de Cabral. Lindbergh é um político petista jovem, mais chegado a uma política de massas do que a maioria dos quadros do PT do momento. Por essa razão, não tem sido desincentivado por Lula, ao contrário do que aconteceu nas eleições passadas. Aliás, tem sido tratado com bastante simpatia pelo ex-presidente, que o coloca na cota de políticos que podem rejuvenescer um partido que, num diagnóstico seu muito anterior às manifestações de julho, está precisando renovar seus quadros. Lindbergh tem comido pelas bordas das intenções de voto do eleitorado pobre que, aos poucos, abandona Cabral à própria sorte.
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