No mesmo dia em que Mark Chapman atirou em John Lennon, em dezembro de 1980, ele pediu para que o ex-Beatle assinasse seu livro de cabeceira, O Apanhador no Campo de Centeio. Desde então, a obra maldita e cultuada de J. D. Salinger ganhou uma nova geração de fãs. No currículo americano atual, apenas Apanhador é bem-aceito pelos adolescentes rebeldes. Na mesma linha, nove entre dez serial killers adoram este clássico.
Mas por que tanta identificação? Acho que não estrago a surpresa do livro ao revelar que o personagem principal de Apanhador não mata ninguém. O narrador Holden Caulfield, de 16 aninhos, só tem vontade de aniquilar quem picha palavrões nas paredes da escola da irmã.
No entanto, há uma divergência gritante entre o que Holden pensa e o que ele faz. Pra início de conversa, ele é um covarde. Usa um chapéu de caçador e, quando um colega lhe pergunta o que pretende caçar, ele responde: gente. Em sua vida, porém, meteu-se em duas brigas - e perdeu ambas. Mentalmente, ele fala mal das pessoas que o rodeiam, mas nunca verbaliza seu rancor contra a falsidade do mundo. Aliás, ele nem sente ódio, apenas desgosto.
No momento em que o livro começa, Holden está sendo convidado a sair da escola interna mais uma vez. Seu "diário" narra esses poucos dias desde sua expulsão até sua viagem para visitar a irmãzinha. Na realidade, não acontece grande coisa neste período. Holden leva puxões de orelha de dois professores, discute com os colegas de quarto, e tenta, em vão, perder sua virgindade com uma prostituta tão nova quanto ele. Não mais que isso. Mas este relato é contado com tanto charme que Holden, um mentiroso compulsivo, conquista todos nós.
Qual a diferença entre Holden e os nossos teens alienados de hoje, aqueles que, quando confrontados com a fatídica questão "o que você mais gosta de fazer?", invariavelmente respondem "dormir"? Uma só: Holden sabe escrever. Ele também não gosta de nada, e não consegue lembrar-se de algo que lhe motive na vida. Não tem ambições ou perspectivas. Sua imagem de felicidade recorrente é de crianças brincando num imenso campo de centeio perto de um penhasco. Desatentas, elas sempre ameaçam cair, e ele as apanha antes da queda. Holden, assim, seria o guardião da inocência.
Seu professor também menciona uma queda - a de Holden - e vê como será este rebelde sem causa aos 30 anos: nada mais que alguém amargo. O sábio mestre menciona que "a marca do homem imaturo é que ele deseja morrer nobremente por uma causa. A marca do homem maduro é que ele deseja viver humildemente por uma causa." (Os serial killers, apesar do bom gosto para a literatura, parecem ter ignorado esta parte). Como ninguém é perfeito, pode ser que o professor seja um pervertido. Ou não.
Nós, leitores, só podemos contar com o ponto de vista de um narrador mentiroso. O que faz Holden tão cativante é que ele escreve maravilhosamente bem. Este é o enorme desafio do autor. Afinal, o livro está na primeira pessoa de um adolescente com vocabulário limitado e vícios de linguagem. E, apesar disso, você termina a leitura com a convicção de ter passado por algo magistral. Não é a toa que Apanhador, publicado em 1951 e nada datado, continua vendendo umas 250 mil cópias por ano.
E, mais curioso ainda do que Holden, só o autor americano J. D. Salinger (capa da Time). Apanhador foi seu primeiro e único romance. Salinger, que também é conhecido por seus excelentes contos, virou celebridade por ser excêntrico. Não dá entrevistas, não posa para fotografias, não cede seus direitos para cinema ou TV, vive totalmente isolado, e não publica uma linha sequer há 35 anos.
Aclamado desde a época de seu lançamento, O Apanhador no Campo de Centeio ganha mais reconhecimento a cada dia, mesmo carregando o estigma (injusto) de manual de serial killer. A única resenha negativa da década de 50 vinha de um jornal cristão que dizia: "Felizmente, não devem haver muitos como Holden por aí. Mas tememos que um livro como este possa multiplicar a espécie." Que talento para a premonição, não?