Geral
Os alemães devem ser idiotas
Carlos Alberto Sardenberg, O GLOBO
Você precisa reduzir o colesterol e entrar em forma. Um médico recomenda restrição alimentar - tipo peixe levemente grelhado com legumes no vapor, água com gás e o requinte máximo de uma rodela de limão - mais uma carga pesada de exercícios físicos. Diários. O outro diz que você pode chegar ao mesmo resultado comendo o que gosta, talvez reduzindo os doces, e jogando umas partidas de bocha.
Havendo alguma chance de que esta segunda opção funcione, você será um idiota se escolher a primeira. Ou seja, os alemães são uns idiotas. Essa é a conclusão inevitável que se tira do modo como muita gente apresenta as alternativas de política econômica em disputa na Europa.
Dizem: a chanceler Angela Merkel recomenda - mais do que isso, impõe o regime da austeridade, sacrifício e suor do rosto. François Hollande, o presidente eleito da França, admite que é preciso ter algum cuidado com a alimentação, as contas públicas, mas oferece o caminho do crescimento acelerado e, melhor, sem muito trabalho.
Por exemplo, diz que vai reduzir a idade mínima de aposentadoria de 62 para 60 anos. Na Alemanha, é de 63 anos, mas está subindo para 65 e pode chegar a 67, em alguns casos. Hollande também vai garantir a jornada semanal de 35 horas - uma bandeira de seu Partido Socialista. Na Alemanha, a jornada média chega às 41 horas, sendo a mais longa entre os europeus mais ricos. E os salários na França são mais elevados do que na Alemanha.
Como se dizia: é melhor ser rico com saúde do que pobre doente, não é mesmo? Melhor trabalhar menos, ganhar mais, e aposentar-se antes...
Tem uns probleminhas, porém. O desemprego na Alemanha está na faixa dos 5%, um dos níveis mais baixos do mundo. Na França, é o dobro. Na saída da crise, a Alemanha cresceu acima de 3,2% em 2010 e 2011. A França, metade disso.
Hollande alegou, durante a campanha, que a França cresceu pouco justamente por causa da receita de austeridade - redução do gasto público, especialmente - imposta pelo presidente Sarkozy, uma espécie de sub-Merkel.
Não faz sentido. Sarkozy não aplicou a austeridade, de cuja ideia se afastou justamente por medo de perder a eleição, nem fez qualquer reforma estrutural importante. Conseguiu, é verdade, elevar a idade de aposentadoria para 62 anos, mas essa mudança só começaria a valer mais à frente - de modo que ainda não trouxera qualquer efeito antes de ser declarada morta. Também prometera colocar a França de volta ao trabalho, eliminando a jornada de 35 horas, mas conseguiu apenas algumas exceções, caras.
Já a Alemanha fez boa parte dessas reformas estruturais no início dos anos 2000 - e isso, ironia, com um governo de esquerda, do social-democrata Gerhard Schröder. A partir daí, assentou as bases do crescimento da década seguinte e, especialmente, a capacidade de escapar da crise mais rapidamente.
De onde tiraram que a receita alemã não funciona? É um equívoco enorme apresentar a receita Merkel como a da recessão, em oposição à agenda de crescimento de Hollande.
Merkel está dizendo duas coisas: primeiro, que não é possível crescer de maneira sustentada aumentando déficits e dívidas públicas já elevadas; segundo, também não se cresce sem reformas estruturais que devolvam competitividade às economias nacionais.
Ou seja, a França cresce pouco e tem desemprego alto não por causa da austeridade - o governo gasta lá o equivalente a 56% do PIB, recorde europeu - mas pela falta de competitividade e excesso de despesa e impostos.
Como resolver a falta de crescimento? Ora, é simples, diz Hollande: crescendo mais...
E sabe o que deve acontecer? Nada, além da retórica. O governo Hollande acabará sendo muito parecido com o de Sarkozy - nada de mudanças sensíveis. Merkel vai topar algum plano de novos investimentos europeus, com um dinheirinho de algum fundo de desenvolvimento, para o pessoal dizer que se aplicou a agenda do crescimento.
Como as contas públicas francesas não estão em situação dramática, há um estímulo para continuar levando assim: crescimento baixo, desemprego alto - mas uma boa vida para quem está empregado ou aposentado. As futuras gerações que se danem.
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