Por Emir Sader, no site Carta Maior:As sucessivas vitórias nas eleições presidenciais permitem que o PT siga governando até pelo menos quase o final da segunda década do século. É a melhor oportunidade que o país dispõe para mudar irreversivelmente as duras heranças construídas ao longo de muito tempo de desigualdade, exclusão social, pobreza e miséria.
Nestes 12 anos, além das conquistas sociais inquestionáveis, que já mudaram a fisionomia do país em tantos aspectos, avanços políticos e ideológicos foram se consolidando também. A desmoralização do Estado foi revertida, em grande medida. O diagnóstico de Ronald Reagan, de que o Estado não era solução, mas era ele mesmo o problema, adotado pelo neoliberalismo brasileiro – dos marajás do Collor à virada de página do getulismo de FHC -, foi revertido pelos governos Lula e Dilma.
As políticas sociais só tem sido possíveis pela capacidade do Estado de formulá-las e colocá-las em prática. A resistência à profunda e prolongada recessão internacional tem sido possível graças à capacidade do Estado de induzir o crescimento econômico, de fortalecer os bancos públicos, de estender o mercado interno de consumo popular. A recuperação da soberania brasileira na política externa conta com a atuação firme do Estado brasileiro na defesa dos interesses do Brasil, na promoção de projetos de integração latino-americana, na intensificação do intercâmbio Sul-Sul.
A centralidade das políticas sociais foi a chave do sucesso político e eleitoral dos governos do PT. Mas houve retrocessos, que precisam ser levados em conta, mais além dos herdados do governo FHC.
Entre os retrocessos, os avanços da direita, devemos destacar a reversão da imagem do PT com o chamado processo do mensalão; a reversão atual da imagem da Petrobras; a eleição de um Congresso mais conservador; a reeleição dos tucanos em São Paulo, apesar de vários aspectos negativos, como escândalos e a falta de água.
O caso do mensalão foi a maior derrota que o PT sofreu na sua história, tanto pelas denúncias que, formuladas e difundidas numa escala nunca vista na imprensa brasileira, calaram em grande parte da opinião pública brasileira e reverteram a imagem do PT, de partido que defendia a ética na política, para partido envolvido com corrupção. Mais além do que efetivamente ocorreu, o que foi projetado no imaginário de boa parte das pessoas – dentro e fora do Brasil – é a de um partido que se valeu de cargos no governo para promover negociatas que misturaram alianças políticas com utilização irregular de recursos públicos.
Dessa imagem o PT – mesmo protestando, denunciando as manipulações e o uso escandaloso político feito pelo Judiciário – nunca conseguiu se livrar. Das denúncias ficou uma imagem negativa dos “petistas”. Por erros efetivamente cometidos e por sua instrumentalização brutal por parte dos meios de comunicação, chancelada pelas condenações do Judiciário, a reversão da imagem do PT foi uma derrota de proporções estratégicas para a esquerda brasileira. Lutando para o resgate da política, do Estado, dos partidos, esse baque veio fortalecer os que promovem a desqualificação dessas categorias e acentuar o descrédito com a política, com os governos e com os partidos mas, sobretudo, enfraqueceu a imagem do partido de esquerda de maior sucesso na história brasileira e de um dos que havia adquirido mais prestígio na esquerda em escala mundial.
A recente reversão da imagem da Petrobras é outro retrocesso imenso para a esquerda brasileira. Depois de ter sido desmoralizada no governo FHC - junto com todas as empresas estatais e com a própria ação do Estado -, a Petrobras teve sua imagem recuperada de forma espetacular a partir do governo Lula. Seja como empresa estatal de sucesso, seja como uma das empresa petroleiras mais fortes no mundo. A descoberta do pré-sal veio coroar essa recuperação da imagem da Petrobras.
Para a direita esse prestígio foi sempre uma espinha na garganta. Era impossível seguir fazendo a apologia das empresas privadas e a desqualificação das empresas estatais, diante do sucesso inquestionável da Petrobras. Até que a campanha de denúncias reverte a imagem pública da empresa – mais além da sua capacidade como empresa petrolífera – e permite à direita desmontar na opinião pública a imagem da Petrobras e das empresas públicas em geral, fortalecendo a campanha da direita, que busca demonstrar que tudo o que é estatal é ineficiente e passível de corrupção.
No recente processo eleitoral, apesar da reeleição da Dilma e de outras vitórias regionais – das quais aquela em Minas e na Bahia foram especialmente relevantes -, é preciso destacar a capacidade da direita de, apesar dos escândalos do governo de São Paulo e do racionamento de água, conseguir reeleger Alckmin no primeiro turno, como um feito notável. Devido, em grande medida, à blindagem que o absoluto monopólio da mídia em São Paulo conseguiu impor. De qualquer forma, a compreensão – e a desmontagem – da hegemonia da direita em São Paulo é dos maiores desafios para a esquerda atualmente. O braço de ferro entre o governo Haddad e a elite paulista é um dos momentos decisivos nessa luta.
A incapacidade da esquerda de fortalecer sua presença no Congresso e, ao contrário, o aumento da representação da direita, foi outra conquista da direita, que terá consequências por pelo menos todo o segundo mandato da Dilma.
Esta lista de avanços da direita não é suficiente para caracterizar a correlação de forças atual no Brasil, porque ela é sempre uma correlação de forças. Existem os elementos de força da esquerda, que se contrapõe a eles. Mas é impossível pensar o Brasil contemporâneo sem levar em conta os avanços da direita.
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