Os jornalões e o DNA da História
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Os jornalões e o DNA da História


Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

Os jornais de sexta-feira (30/1) destacam, em suas primeiras páginas, o déficit das contas públicas que marca o encerramento do ano fiscal de 2014, a decisão da Petrobras de reduzir o ritmo de obras e a perspectiva de suspender o pagamento de dividendos aos seus acionistas, além de referências à disputa pela presidência da Câmara dos Deputados e, claro, novos registros sobre a crise de abastecimento de água na região Sudeste. O desemprego caiu para 4,8% no ano passado, mas apenas a Folha de S.Paulo cita esse fato na primeira página.

O conjunto do noticiário pode ser visto a olho nu, ou sob as lentes da mídia, que supostamente mostram as frações mais relevantes da realidade. Houve um tempo, no jornal O Estado de S.Paulo, que se aplicava na produção da primeira página o conceito batizado com o imodesto nome de “DNA da História”: tratava-se de uma orientação geral para que os editores indicassem para os destaques, preferencialmente, as notícias que tivessem mais potencial para representar a contemporaneidade.

Mas esse é um tempo passado. Hoje em dia, a observação da imprensa exige que se aplique sobre seus conteúdos a lente da interpretação de motivos. No caso do noticiário econômico, por exemplo, essa lente revela o efeito dissimulador sobre o significado de fatos aparentemente contraditórios convivendo numa mesma página: num texto, o Brasil afunda em uma crise grave; em outros, o desemprego continua caindo e o investimento direto de capital estrangeiro segue em alta.

Há detalhes que poderiam ajudar o leitor a entender as entrelinhas que serpenteiam abaixo dos títulos. Por exemplo, o rendimento do trabalho subiu 33,1% entre 2003 e 2014 e houve uma mudança no eixo do desenvolvimento, sob o ponto de vista dos salários: pelo quinto ano consecutivo, constata-se que os trabalhadores da região metropolitana do Rio de Janeiro ganham mais do que seus colegas da capital paulista. Paralelamente, pode-se observar que o desempenho da indústria paulista continuou em queda, no período escolhido pela imprensa para mensurar os dados econômicos.

Dois olhares

O noticiário significa pouco se o leitor não colocar os indicadores em perspectiva, ou seja, numa economia globalizada, cada aspecto da realidade local precisa ser confrontado com a realidade planetária. Por exemplo, se há um ajuste na política econômica em função do déficit das contas públicas, convém avaliar os potenciais efeitos colaterais sobre a saúde do organismo ao qual o Estado deve servir.

Não são poucos os casos em que um remédio para o coração provoca a falência múltipla de órgãos. Essa foi a constatação feita nesta semana, por exemplo, pelos eleitores gregos.

A mídia genérica que alcança a maioria do público leitor tem um viés catastrofista em relação ao Brasil, mas não consegue distorcer tudo. Por exemplo, num canto de página da edição de sexta-feira (30/1) do jornal O Estado de S.Paulo o indivíduo enxerga o título de três linhas em uma coluna: “Brasil fica em 5º como destino de investimentos”. Abre com uma visão positiva, mas em seguida desanda para o pessimismo.

Já no especialista Valor Econômico, a mesma notícia tem outra interpretação, mostrando que, num cenário internacional de retração, o Brasil subiu de 7º para 5º lugar entre os destinos de investimentos produtivos.

Quando um dos grandes diários de circulação nacional se vê obrigado a publicar uma notícia positiva, imediatamente se seguem os “poréns, contudos, todavias”. No caso do investimento estrangeiro direto, não dá para esconder o fato de que o Brasil subiu duas posições na disputa global por dinheiro aplicado em negócios – que é diferente do que vai para o mercado de ações. Também não se pode omitir, sob pena de sacrificar a credibilidade, que o Brasil superou todos os países europeus, segundo os dados da ONU.

Se colocada em destaque, a notícia abriria a possibilidade, por exemplo, de expor o modelo adotado pela Europa para combater os efeitos de longo prazo da crise financeira de 2008, em comparação com a escolha brasileira de estimular o mercado interno a partir de projetos sociais que resgataram milhões da pobreza e da política de valorização da renda do trabalho.

No texto de apenas quatro parágrafos, a notícia positiva só aparece no primeiro parágrafo e é soterrada pelos aspectos negativos. No entanto, o texto que foi distribuído pela ONU avalia o desempenho da América Latina, informando que o investimento estrangeiro caiu em praticamente todos os países da região, inclusive o México. No Brasil, aumentou 8%.

Também acontecem coisas boas. Mas a chamada grande imprensa só pensa naquilo.




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