Papa Francisco com Fidel e Che Guevara
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Papa Francisco com Fidel e Che Guevara



Por Darío Pignotti, de Havana, no site Carta Maior:

Sob o olhar do retrato do Che Guevara, em plena Praça da Revolução, o papa Francisco celebrou hoje uma missa que provavelmente estampará as capas da maioria dos jornais do mundo nesta segunda-feira (21/9).

Mais que isso: após concluído o evento litúrgico, o sumo pontífice foi recebido pelo comandante Fidel Castro, que lhe entregou uma edição do livro “Fidel e a Religião” escrito em 1985 por Frei Betto, um obséquio que resume a história da aproximação entre a Revolução Cubana e o cristianismo progressista.

Uma jornada que confirma a vitalidade renovada da Teologia da Libertação, vertente a qual Francisco abriu os braços, como demonstrou quando recebeu no Vaticano a figuras como o próprio Frei Betto e o padre peruano Gutiérrez, duas importantes referências dessa corrente de pensamento.

Na noite de sábado, ao falar com os jornalistas em Havana, Frei Betto afirmou que o encontro entre o cristianismo e o marxismo é uma síntese virtuosa, indispensável para a compreensão do mundo atual.

“Não se pode interpretar a sociedade e seus conflitos sem utilizar a luta de classes como um dos instrumento da análise”, sustentou Betto.

Ao mesmo tempo, o frade dominicano disse que o Estado não pode ser ateu, que deve ser laico, mantendo uma interface criativa com as religiões, entre elas a católica.

O fato de que Fidel Castro tenha entregado a Francisco um exemplar de “Fidel e a Religião” indica o fim de várias décadas de ostracismo da Teologia da Libertação dentro da Igreja Católica – esta linha filosófica religiosa, essencialmente latino-americana, sofreu a indiferença e a hostilidade dos papas João Paulo II e Bento XVI.

O sermão na Praça da Revolução e a conversa com Fidel serão as notícias mais importantes desta semana, e certamente ficarão registradas nos livros de história como dois fatos marcantes para o rumo que a América Latina deve tomar na segunda década do Século XXI.

A Missa

Às 8h52 horas (uma hora depois, pelo horário brasileiro), oito minutos antes do previsto pelo programa oficial, Francisco começou a celebrar a cerimônia, diante de milhares de fiéis – um público talvez menos numeroso do que o esperado, mas que havia começado a chegar desde as 5h, com suas bandeiras de Cuba e do Vaticano.

Durante a missa, o papa afirmou que “o povo cubano tem feridas, como todo povo, mas sabe estar com os braços abertos, e marchar com a esperança, porque a grandeza de espírito é sua vocação”.

O sumo pontífice argentino fez um chamado aos cristãos, para que vivam respeitando os preceitos bíblicos e que cuidem e sirvam ao próximo, especialmente os mais frágeis e necessitados. “Quem não vive para servir, não serve para viver”, disse o chefe da Igreja Católica.

Ademais, instou os fiéis a que não se deixem levar por “projetos que podem ser sedutores, mas que não representam o rosto de quem está ao seu lado”.

Diplomacia de símbolos

Cubanos, norte-americanos e observadores em geral compartilham a mesma opinião a respeito de Francisco: o papa conhece a arte da diplomacia, e a exerce através de conversas secretas, combinadas com os grandes gestos simbólicos.

“O papa tem feito muito a favor da aproximação entre Cuba e os Estados Unidos, demostrou ser um homem que sabe atuar com habilidade e discrição” comentou Frei Betto, no sábado.

O sermão de hoje foi um evento monumental, perante a sociedade cubana, a opinião pública internacional e o governo dos Estados Unidos.

É pertinente ver os movimentos do Papa como degraus que levam a um caminho lógico: esta missa na Praça da Revolução é o primeiro grande momento de uma viagem que continuará na Filadélfia e Nova York, durante esta semana.

Alguns comentaristas de jornais conservadores europeus destacaram que o pontífice não fez nenhuma menção ao bloqueio norte-americano que asfixia a ilha há mais de meio século.

Uma leitura menos ideologizada do que foi dito hoje por Bergoglio indica que falar explicitamente do bloqueio era desnecessário – ou mesmo a respeito do descongelamento das relações entre Havana e Washington e a ocupação norte-americana em Guantánamo.

Nas palavras do papa, neste domingo, predominaram as referências pastorais dirigidas a um público diversificado como é o cubano, onde os católicos são uma minoria que não chega a 30% da população.

Colômbia e Miami

Há meses, Havana vem sendo a sede dos diálogos de paz entre os rebeldes das Forças Revolucionárias Armadas da Colômbia (as FARC) e o governo desse país.

Antes da chegada de Francisco, no sábado, se especulou sobre uma possível reunião com os delegados colombianos, o que foi descartado pelas fontes do Vaticano.

Ainda assim, o tema foi abordado na missa de hoje.

Durante o Angelus, o papa Jorge Mario Bergoglio afirmou que não pode haver “outro fracasso” nas negociações para levar ao fim da guerra civil colombiana, a mais prolongada da América Latina.

Francisco disse que o país caribenho é “consciente da importância crucial do momento presente” e apoiou “todos os esforços, inclusive os feitos nesta bela ilha, para uma definitiva reconciliação” entre as partes em conflito.

Não houve, no discurso papal, referências diretas aos dissidentes cubanos nos Estados Unidos, especialmente os de Miami, os que militam contra a Revolução há meio século e são os principais defensores do bloqueio.

Essa omissão representa uma derrota política para essas agrupações dirigidas por lideres extremistas, alguns dos quais realizam greve de fome, em protesto contra a viagem do chefe de Estado do Vaticano à ilha.

* Tradução de Victor Farinelli.




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