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Pernas pra que te quero - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 13/12
Não é por falta de financiamento ao consumo que a economia brasileira não está crescendo. A oferta de crédito reduziu um pouco o ritmo de crescimento, mas permanece se ampliando. Muitos outros fatos travam as pernas da economia: falta de investimento, baixa poupança, erros na política econômica que confundem e aumentam a incerteza no ambiente de negócios.
O clima tem piorado. O baixo crescimento do ano foi confirmado pelo encolhimento no terceiro trimestre; as contas públicas só melhoraram um pouco por receitas que não vão se repetir; a Petrobras continua sob desconfiança, pelo excesso de intervenção estatal na administração da empresa. Mas o ministro Guido Mantega disse que a perna manca da economia é a falta de crédito ao consumo.
As privatizações - ou concessões, se a palavra machuca certos ouvidos - ajudaram o superávit primário no último momento. Mas perdeu-se tempo pela hesitação do governo sobre fazer ou não o que havia prometido em propaganda eleitoral não fazer.
O superávit primário vem minguando, caiu a 1,44% em outubro, e só ganhará sobrevida com os R$ 15 bilhões do leilão de Libra e os R$ 20 bi recolhidos pelo Refis. Essa parte do dinheiro do pré-sal não foi para a educação, os recursos do Refis são dívidas renegociadas e que seriam receitas de futuros governos. Foram antecipadas com enorme desconto e condições mais favoráveis para as empresas. Nada disso resolve os pontos centrais que são o baixo desempenho fiscal e as mudanças casuísticas de critérios contábeis.
Os truques foram tantos ao longo dos anos que a dúvida se espalhou entre os analistas. Até as pessoas que têm que acompanhar esses indicadores hoje já não sabem muito bem o que quer dizer cada número, tantos são os descontos e acréscimos em cada índice. Até os técnicos do Tesouro começaram a demonstrar a irritação. O dano maior das artimanhas fiscais é na credibilidade do Tesouro e do país, então é natural que os funcionários de carreira se rebelem, porque o atual secretário está no cargo de passagem; eles ficarão. A criação do Tesouro foi uma das importantes etapas da estabilização brasileira, processo que exigiu um enorme esforço de aumento da transparência e da criação de regras na contabilidade pública. E é esse patrimônio que está em risco.
Na inflação, vamos chegando ao fim do ano com uma fratura exposta. O acumulado em 12 meses caiu um ponto percentual em poucos meses, como comemorou o presidente do Banco Central, no Senado. De fato, caiu, mas a inflação dos preços livres está em 7,3% e a dos administrados, 0,9%. O governo fala agora até em adiar normas de segurança de veículos - freio ABS e duplo airbag - aprovadas há quatro anos, porque isso elevaria o preço do carro. Essa é a forma mais temerária de controlar a inflação. O mérito do número baixo no índice de preços só vale se ele refletir a realidade.
A enorme distância entre preços livres e administrados fala muito do artificialismo dessa média de 5,77% que fica dentro do intervalo de flutuação mas ainda longe do centro de 4,5%. Uma coisa é certa sobre inflação: nenhum artificialismo é sustentável; a conta sempre chega.
E uma parte já chegou. A Petrobras enfrenta a queda das ações, a descapitalização, desconfiança dos investidores, dificuldade de sustentar o programa de investimentos. O sistema elétrico teve que receber do Tesouro, em 2013, R$ 7 bi para a conta que está compensado a diferença entre o custo e o preço da energia. A balança comercial só não vai fechar no vermelho porque entraram como exportação vendas de plataformas de petróleo da Petrobras para ela mesma, sem que os equipamentos saíssem do país. Será um saldo escritural.
A outra perna que o ministro chamou de manca é a crise internacional. O mundo está em crise desde 2008 e não se pode dizer que 2013 foi o pior ano. Pelo contrário, a Europa saiu da desconfiança que se encontrava e os Estados Unidos estão se recuperando. Segundo a OCDE, o Brasil foi o país que menos cresceu no G-20 no terceiro trimestre. Então não é o mundo que explica o que nos acontece.
O ano termina com um desempenho que não empolga ninguém e não é por falta de crédito ao consumo; nem mesmo por causa da crise externa. A economia não vai bem das pernas em parte por decisões erradas do governo. E uma coisa se diga: o governo é persistente. Nos erros.
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