Nem de barco nem de avião, muito menos de trem. A cocaína que entra no Estado do Ceará, oriunda da Bolívia, e que abastece dezenas de traficantes e é consumida por milhares de usuários, chega aqui escondida em caminhões, carretas, bi-trens e até em veículos tanques. Desafiando as autoridades, a droga percorre um longo caminho pelas estradas brasileiras, vai até São Paulo e depois chega ao Nordeste, ultrapassando dezenas de postos de fiscalização da Polícia sem que seja interceptada.
Esta é uma das conclusões das investigações que a Polícia Federal e os setores de Inteligência do Estado chegaram após a descoberta de dois carregamentos de cocaína nas últimas três semanas. Em um deles, a droga veio escondida em meio a um carregamento de farinha de trigo, desembarcado em uma fábrica de massas na BR-116, em Itaitinga. Eram, nada menos, que 107 quilos de cocaína comprovadamente de puro teor.
Logo em seguida, outro carregamento ainda maior e ainda mais valioso, foi apreendido logo que um caminhão-tanque ultrapassou a divisa entre o Ceará e o Estado do Piauí, através da região dos Inhamuns.
É dessa forma que a cocaína boliviana tem aportado no Estado do Ceará, seja já pronta para o consumo ou para ser desdobrada, ou ainda na forma de pasta-base, com o carregamento de 380 quilos interceptado pela PF.
O primeiro carregamento foi descoberto por policiais militares, do 15º BPM, na noite de 26 de novembro último, quando uma carreta com placas de São Paulo entrava em um galpão para alugar situado no Anel Viário, no Município do Eusébio. Pelo menos, três pessoas - sendo um casal de paranaenses e um paulista - foram capturadas após um tiroteio em que o restante do bando conseguiu fugir.
Facção
Nas investigações da Polícia surgiu a suspeita de que aquela não fora a primeira vez que o mesmo grupo desembarcava carregamento de ´pó´ em Fortaleza. Isso ganhou reforço quando se descobriu em meio às bagagens da paranaense Ducilene Simão, 27, uma passagem aérea constando que ela esteve aqui em abril passado. E mais, surgiram também indícios veementes de que o carregamento teria sido mandado para cá pela facção criminosa paulista Primeiro Comando da Capital, o temido PCC, grupo criminoso organizado que domina os presídios e penitenciárias de vários Estados, a partir de São Paulo, onde estão seus principais ´cabeças´.
Estado serve de entrada e saída de drogas
Rotas e modos de transportar grandes carregamentos de drogas mudam a todo instante. No Ceará, diversas formas já foram detectadas. Os criminosos procuram alternar os trajetos para driblar a fiscalização da Polícia. Através de estradas de terra, veículos de pequeno porte transitam com pequenas e médias quantidades de cocaína, maconha e crack.
No entanto, nos últimos dois anos, pelo menos quatro grandes carregamentos foram interceptados pela Polícia em rodovias federais. As BRs 222, 020 e 116 (Santos Dumont) servem de escoamento de drogas produzidas nos países tradicionalmente fabricantes de cocaína, como a Bolívia, Colômbia e o Peru. Já a maconha em grande escala, que antes era produzida no Interior do Estado de Pernambuco, agora é trazida do Paraguai.
Porta de saída
No sentido inverso, a Capital cearense é constantemente ´alvo´ de ação de ´mulas´, pessoas que são pagas pelos grandes traficantes internacionais, para transportam cocaína em direção à Europa e a África.
No Aeroporto Internacional Pinto Martins o trabalho constante de agentes da Polícia Federal tem impedido que ´mulas´ obtenham êxito na tarefa paga de transportar cocaína, seja através de apetrechos de diferentes modelos nas bagagens, seja no próprio corpo. Muitos já foram detidos com drogas ingeridas em pequenas cápsulas.
Já os grandes carregamentos são, preferencialmente, trazidos em caminhões e carretas, acompanhados de ´batedores´.
Traficantes agem em ´consórcio do pó´
Traficantes locais estão se reunindo em grupos e comprando na Bolívia grandes carregamentos de cocaína. Os custos da logística são rateados. Isso é o que as autoridades chamam de ´consórcio da droga´.
Na semana passada, em entrevista coletiva, o superintendente da Polícia Federal no Ceará, delegado Renato Casarini Muzy, concedeu entrevista coletiva à Imprensa local para falar das investigações da PF que culminaram na descoberta e apreensão de um carregamento de 382 quilos de pasta-base do cocaína, que eram transportados em um caminhão-tanque. O veículo foi interceptado, há 10 dias, pelos agentes da Delegacia de Repressão aos Entorpecentes quando entrava no Ceará, através da BR-020, no limite com o Piauí.
A abordagem aconteceu logo que o veículo foi localizado no posto de fiscalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF), no Município de Parambu (a 408Km de Fortaleza), na divisa com Pimenteiras no Piauí.
Na coletiva, Muzy revelou que as investigações apontaram os indícios de existência de um ´consórcio´ da cocaína, isto é, traficantes estariam se agrupando e mandando comprar, de uma só vez, grandes carregamentos de cocaína na Bolívia, para trazê-la para o Ceará, onde cada um receberia sua parte. Os custos de transporte e demais logística seriam rateados.
Confirma
O titular da Delegacia de Narcóticos (Denarc), da Polícia Civil do Ceará, delegado Pedro Viana Júnior, foi ouvido pela Reportagem e confirmou informações de que traficantes locais realmente estariam se unindo no tal ´consócio´ para trazer os carregamentos. Sem dar muitos detalhes das investigações a respeito, para preservar o trabalho, ele explica que está uma das formas que os criminosos vêm se utilizando para abastecer seus pontos de vendas de drogas.
Por conta disso, a vigilância aos traficantes - mesmo aqueles que estão nos presídios - vem sendo redobrada.