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Política fiscal austera - ANTONIO DELFIM NETTO
Valor Econômico - 04/06
Há um movimento de parlamentares que deseja engessar a execução orçamentária para garantir o cumprimento automático das suas emendas, o que teria alguma vantagem institucional do ponto de vista da relação entre os poderes da República. Mas a prática do "orçamento impositivo" esconde um enorme perigo, porque a manipulação do orçamento no Congresso deixa muito a desejar, uma vez que 90% das despesas já são impositivas. Por outro lado, as estimativas da "receita" vão sendo alegremente ajustadas ao longo das discussões no Parlamento e a aprovação final do orçamento é feita na 25ª hora do último expediente, o que acaba incorporando despropósitos.
É importante compreender que uma política fiscal séria, que contemple o equilíbrio fiscal nominal ao longo do ciclo econômico e mantenha a relação dívida pública bruta/PIB relativamente estável, é a base de tudo: do crescimento robusto sem pressões inflacionárias e capaz de sustentar uma política de aumento da igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. O exercício abaixo pretende mostrar isso.
Como é intuitivo, o volume da produção de um país é resultado da combinação de muitas variáveis. No curto prazo, digamos um ano, a maioria delas (as instituições, por exemplo) são praticamente constantes. O mesmo acontece com o estoque de capital físico - os bens de produção, as estradas, os portos etc... O único fator de produção ajustável é o nível de uso da mão de obra determinado pela oferta e demanda no mercado de trabalho. Se há um estresse nesse mercado porque toda a mão de obra disponível está (para efeitos práticos) empregada, a produção física, no curto prazo, estará limitada por ela. A coisa é um pouco mais complicada porque parte da mão de obra pode estar "estocada" no setor industrial devido ao alto custo de sua dispensa quando comparado com a "esperança" que um eventual aumento da demanda setorial permitirá utilizá-la. Mas isso exige uma mudança de preços relativos, particularmente das taxas reais de câmbio e juros.
Levando a simplificação ao extremo, sem prejudicar o efeito para o qual queremos chamar a atenção, podemos dizer que, no curto prazo, o volume físico do PIB que pode ser produzido é praticamente constante. Esqueçamos o complicado problema da unidade em que ele é medido e vamos fazê-lo igual a 100. Para produzi-lo temos (por hipótese) de importar 14 unidades físicas, na mesma unidade complexa. Logo a "oferta" total disponível é igual a 100 + 14 = 114. Suponhamos que ela ("demanda") seja utilizada da seguinte forma que mimetiza a economia brasileira:
Oferta e procura globais estão em equilíbrio contábil. Todos os componentes podem variar, menos o PIB = 100. Este é determinado pelas restrições dos fatores de produção, particularmente, da mão de obra. Pelos números do exercício vemos que o saldo em conta corrente (exportação menos importação) é igual a -2. Podemos, portanto, escrever:
Como o PIB é constante e igual a 100, qualquer mudança de seu uso (por exemplo, um aumento do investimento) terá que ser, necessariamente, compensada por uma redução equivalente dos outros componentes. Suponhamos que o investimento seja de 22 (mais 4). Então, o corte no consumo das famílias e do governo e o aumento do saldo negativo das transações correntes teriam que somar 4. Isso, obviamente, não acontece pela "vontade" de alguém. Será resultado das "forças" que determinam cada tipo de uso.
Quais são essas forças? O consumo das famílias é, basicamente, determinado pelo nível de renda disponível (PIB = 100, menos a carga tributária, receita do governo). O consumo do governo é determinado discricionariamente. O investimento depende da taxa de juros real. O saldo em conta corrente, da taxa de câmbio real. Nesse exercício, simplificado pela circunstância do PIB ser constante, não é preciso ser um físico quântico para intuir que a taxa de juro real e a taxa de câmbio real devem variar com sinais contrários: quando o investimento cresce (porque a taxa de juro real caiu) o déficit em conta corrente deve aumentar, o que significa que a taxa de câmbio real deve valorizar-se. Em outras palavras, câmbio real e juro real são ligados por uma relação inversa.
Vamos agora ao que interessa. Numa situação como a atual, em que o PIB é praticamente constante por restrições físicas, qual é o resultado de uma política fiscal expansionista que aumenta a despesa discricionária do governo? Sobre o consumo o efeito será nulo porque o PIB é constante e não houve aumento de tributação. Aliás, a redução de impostos pode até ampliá-lo. Logo, o corte será sobre o investimento (controlado pela taxa de juros real) e/ou a ampliação do déficit em conta corrente (controlado pela taxa de câmbio real).
Sem entrar nos mecanismos de transmissão nos mercados que produzirão tais resultados, é intuitivo que os efeitos produzidos pela ampliação das despesas do governo (PIB constante) serão: 1º) um aumento da taxa de juros real para cortar o investimento e/ou 2º) uma valorização do câmbio real para aumentar o déficit em conta corrente. Portanto, tudo que o Brasil precisa neste momento para aumentar a potência da política monetária sem prejudicar o crescimento é de uma política fiscal mais austera.
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