Por que a China está mudando? - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
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Por que a China está mudando? - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS


VALOR ECONÔMICO - 25/09/04

O mercado consumidor atingiu uma dimensão expressiva nos últimos anos em função da dimensão dessa nova classe social.


A resposta mais simples - e correta - que tenho a esta questão é a seguinte: porque está na hora de fazê-lo! Para entender esta resposta é preciso olhar para a economia chinesa como um sistema que passa por um processo de mudanças há mais de 30 anos. Seguir o padrão da maioria dos analistas, que procuram avaliar a China utilizando-se da métrica tradicional aplicada às economias emergentes, é namorar o erro.

O modelo chinês de desenvolvimento foi desenhado, em sua primeira versão, ainda nos anos oitenta do século passado, depois que a experiência desastrosa da Revolução Cultural colocou a economia de joelhos. A fonte de inspiração para os primeiros passos da grande reforma liderada por Deng Xiaoping foi o colapso do modelo soviético e sua estrutura de gastos baseada na indústria pesada e militar.

Deng entendeu que para manter a paz social de longo prazo, em uma sociedade complexa como a chinesa, era preciso criar umaindústria voltada para a satisfação de demandas do cidadão.

Mas enfrentou desde o início a armadilha da escassez de capital pois quase todo o estoque, nas mãos do Estado, estava imobilizado em mastodontes improdutivos e em instalações militares. O governo de Pequim buscou um caminho próprio para vencer este enorme obstáculo, diferente do prescrito por economistas americanos quando o governo Ieltsin iniciou a democratização da União Soviética. Aproveitando-se da enorme poupança extraída da sociedade, o governo passou a dirigir os investimentos públicos para construir uma infraestrutura econômica que facilitasse o desenvolvimento da indústria de bens e permitisse ganhos de produtividade no setor industrial não militar. Por muitos anos o crescimento chinês direcionou este esforço para a criação de um estoque de capital nas mãos das grandes SOEs, a versão chinesa de nossas estatais getulianas.

Quando a base industrial atingiu certa musculatura e eficiência, uma segunda etapa iniciou- se com foco na exportação de produtos industriais de qualidade ainda pobre, mas de baixo preço. O sucesso desta etapa deveu- se principalmente: ao valor muito baixo dos salários, ao grande esforço físico dos trabalhadores quando comparados ao de seus concorrentes, à taxa de câmbio extremamente desvalorizada e ao crédito bancário a baixos juros e muito farto. Podemos citar ainda o fato de que questões ambientais não impunham restrições ou custos adicionais de produção às empresas, a exemplo de outros países como o Brasil.

Foram os anosemque a conjugação de pesados investimentos em infraestrutura - inclusive no setor de habitações - permitiu que a economia crescesse a taxas acima dos dois dígitos. Os principais resultados dessa fase foram o aumento da renda de quase metade da população chinesa e a acumulação impressionante de reservas externas.

Esse modelo de grandes obras de infraestrutura e exportações de produtos baratos começou a perder sua força na virada do século XX e uma nova etapa passou a ser definida. A China tinha acumulado, nos anos de elevado crescimento, novos ativos econômicos que poderiam ser agora usados como alavanca no lugar das que perdiam eficiência. O mais importante foi a incorporação de pelo menos 400 milhões de pessoas à economia de mercado, com uma renda média acima de US$ 5.000 anuais. Com isto, além de gastos com consumo em bens e serviços, essa nova classe social acumulava poupança pessoal para enfrentar dias mais difíceis, como era a tradição desse sofrido povo. Com isso, junto com a poupança das empresas públicas, criou-se, fora do rígido controle do Governo Central, outro estoque de poupança de dimensão significativa. Assim ganhou- se uma liberdade de decisões maior, com efeitos positivos sobre ganhos de produtividade dos investimentos.

Em 2013 a participação do consumo no PIB chegou a 49% e deve continuar a aumentar no restante da década. Estava vencido o grande desafio de uma economia pobre e estatal, como era a chinesa da época de Mao, que é o de se criar um estoque de demanda fora do Estado para sustentar o crescimento econômico do país.

Nesse contexto macro econômico é que aparece um novo instrumento poderoso de desenvol- Adesigualdade de renda vem recebendo muita atenção ultimamente, em especial em duas arenas onde costumava receber pouca: o debate público nos Estados Unidos e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Um motivo importante é a preocupação nos Estados Unidos de que a desigualdade de renda tenha voltado aos extremos da "Era Dourada"; mas a iniquidade também aumentou em várias outras partes do mundo e continua elevada na América Latina.

O que aprendemos até agora? O mais interessante nessa discussão é que boa parte da atenção esteve voltada para as consequências da desigualdade além de seu efeito sobre o bem-estar dos mais pobres.

Uma das linhas de debate começa com a hipótese de que a desigualdade é ruim para o crescimento econômico como um todo.

Outra começa com o ponto de vista de que a desigualdade leva à volatilidade e instabilidade.

Foi a desigualdade que causou, por exemplo, a crise das hipotecas de baixa qualidade em 2007 e, portanto, a crise financeira mundial de 2008? Uma terceira proposição é a de que a iniquidade se traduz em inveja e infelicidade: alguém que seria feliz com determinada renda torna-se infeliz se descobre que outros recebem mais. Uma versão dessa linha sustenta que altos executivos exigem e recebem remunerações extravagantes porque concorrem entre si por status.

Uma quarta linha trata de uma preocupação que parece sobrepujar as três primeiras. É o medo de que, como há tanto dinheiro na política, os ricos consigam persuadir os governos a adotarem políticas que os favoreçam como classe.

Enquanto as fontes de preocupação nas três primeiras são passíveis de autocorreção, pelo menos em democracias, a concentração de poder político e econômico em oligarquias pode autoalimentar- se. Nos EUA, decisões recentes da Suprema Corte sobre contribuições de campanha sugerem que a influência do dinheiro na política só vai crescer.

Seguir o argumento antioligarquia, no entanto, não é a melhor forma de reduzir a desigualdade.

Em vez disso, deveríamos trabalhar a partir da premissa de que a pobreza, em particular, e a desigualdade, em geral, são simplesmente indesejadas. Mesmo vimento: a dimensão do mercado interno em uma economia globalizada.

Para setores industriais do mundo desenvolvido, que trabalham com os chamados produtos globais, estar presente no mercado chinês passou a ser questão de sobrevivência. Em uma indústria na qual o desenvolvimento dos produtos exige grande alocação de capital, a dimensão de seus negócios é absolutamente crucial para a criação de condições mínimas de competitividade. O exemplo da indústria automobilística é o mais representativo dessa nova situação. Estar fora do mercado chinês de carros e caminhões nos próximos anos é quase que certamente a assinatura da sentença de morte de uma empresa internacional do setor.

Vamos viver nos próximos anos uma nova rodada do processo de globalização, tendo agora a China como elemento determinante de sua dinâmica. É preciso estar atento para esse fenômeno.

Uma leitura importante para quem quer aprofundar essa questão é o livro escrito por Peter Nolan, chamado "Is China Buying the World?"

Avaliar a China utilizando a métrica tradicional aplicada às economias emergentes é namorar o erro




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