Primeiro, a boa notícia: a transparência nos gastos com publicidade no governo.
Transparência é detergente: elimina muita sujeira.
Então seguem as palmas à Secretaria de Comunicação, a Secom, por detalhar onde o governo coloca seu dinheiro.
Depois, a má notícia: a lógica do investimento “técnico”, graças ao qual a Globo desde 2000 levou quase 6 bilhões de reais do governo, não se sustenta.
Presumo que, ao expor seus gastos à sociedade, a Secom esteja não só dando satisfações ao contribuinte mas, acima de tudo, propondo debate.
Vamos a ele.
A análise técnica não leva em consideração que, agindo como age, a Secom está perpetuando uma situação de monopólio construída em circunstâncias obscuras durante o governo militar.
Interessa alimentar o monopólio apenas porque ele é monopólio, ou você pode e deve corrigir situações em que a concorrência é desleal?
Se existe um consenso de que a desconcentração da mídia é essencial para a democracia, por que o governo, na publicidade, incentiva a concentração?
Como este incentivo cego e bilionário cabe dentro da lógica é essencial, para a democracia, que não exista monopólio na mídia?
O que aconteceu nos investimentos publicitários governamentais, nestes dez anos de PT, foi pegar uma situação – a de 2002 – e simplesmente encampá-la, sem nenhuma crítica.
A virtude da “isenção” ficou a serviço do vício.
Partiu-se de uma base que deve muito – quase tudo — a favores concedidos pelos governos militares a Roberto Marinho, “nosso mais fiel e constante aliado na mídia”, como se referiu a ele o ministro da justiça de Geisel, Armando Falcão.
Ora, se a base é viciada, trate de corrigi-la, em vez de perpetuá-la.
O governo não fez isso.
Por quê? Porque não viu, ou porque viu mas não teve coragem de fazer algo que certamente mobilizaria toda a capacidade formidável da Globo de retaliar em nome do, aspas, interesse público?
Cada qual fique com sua conclusão. Nenhuma das duas hipóteses é exatamente positiva.
Ouvi algumas pessoas dizerem que, do ponto de vista jurídico, é difícil alterar essa aberração. Ora. A isso contraponho Brecht. “Não aceite o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.”
Clap, clap, clap: nada deve parecer impossível de mudar.
O investimento cego ignora também o BV, a infame propina legal mas imoral com a qual a Globo mantém acorrentadas as agências de publicidade.
O BV foi mais uma invenção da Globo. Ela adianta o dinheiro que as agências vão colocar nela, e isso tem sido a principal fonte de renda muitas das agências.
Quem milita no meio corporativo jornalístico – eu fiz isso por 25 anos – sabe o veneno ético e moral representado pelo BV. Fora tudo, é uma agressão à luz do dia ao conceito de concorrência e meritocracia capitalista.
Será que nunca a sociedade brasileira vai se livrar desse tipo de mamata legalizada?
Sempre achei irônico o comportamento da mídia à concorrência predadora da Globo. Em meus anos na Abril, diversas vezes comentei o que para mim é bizarro: a maciça, exagerada, bovina cobertura dada à Globo. Quantas capas da Veja e páginas da Ilustrada dedicadas a novelas emburrecedoras e medíocres que, como mostra o Ibope, vão marchando para o bem-vindo ostracismo? A Globo sempre pisou na concorrência, e recebeu, paradoxalmente, o oposto disso — louvores que só tornaram mais contundentes ainda as sucessivas pisadas.
Por fim, você faz tudo isso para dar no quê? Num jornalismo à Jabor, à Merval, à Ali Kamel? Em entretenimento como o BBB e as novelas que incentivam os brasileiros a se encher de cerveja em merchans multimilionários da Ambev e empurram o jogo de futebol para horários em que os típicos torcedores já estão exaustos?
Ou ainda: você faz isso para consolidar a posição dos três Marinhos na lista de bilionários da Forbes?
De toda forma, louve-se a publicação do Secom porque, sem ela, não seria possível discutir um assunto tão relevante para os brasileiros.