O jornal Público publica hoje (página 44 da edição impressa e acessível aqui a assinantes da edição online) uma troca de cartas entre Rui Tavares, candidato ao Parlamento Europeu pelo Bloco de Esquerda, e eu própria. Rui Tavares insiste na versão de que foram os Verdes e o GUE (“Grupo da Esquerda Unitária Europeia”, onde se incluem os deputados do PCP e do BE) a arrastar uma maioria de deputados europeus – incluíndo uma maioria de deputados socialistas – para uma posição de protecção dos direitos individuais no acesso à internet. Os argumentos de Rui Tavares?
1. “O PS esteve do lado da proposta [insatisfatória] na sua génese”: não é bem assim... O que foi submetido a votação no Parlamento Europeu foi o resultado de uma negociação entre o Parlamento Europeu e o Conselho. A relatora do Parlamento era, de facto, a socialista francesa Catherine Trautmann. Mas Rui Tavares devia saber que um(a) relator(a) não vincula automaticamente o seu grupo político. Por isso é que, quando se discutiu a proposta no Grupo Socialista, este último decidiu que não estava satisfeito e decidiu apoiar uma emenda – já passada em comissão especializada – a corrigi-la. Nisto tudo, nem os GUE nem os Verdes tiveram uma intervenção relevante para o PSE. Eu própria fui acompanhando o assunto com particular atenção, sensibilizada pelas centenas de mails que recebi de cidadãos portugueses e de outros países.
2. “Os chefes de governo socialistas participaram da sua autoria”: os chefes de governo socialistas estão noutra instituição, o Conselho Europeu, e não mandam em deputados eleitos directamente pelos cidadãos europeus: esta não foi a primeira vez, nem será a última, em que o PSE discorda de chefes de governo da sua cor política. A Directiva de Retorno foi outro caso em que o PSE – desta feita, sem sucesso – tentou até ao fim alterar um texto que tinha sido avalizado por alguns governos socialistas. O PSE não tem culpa de o BE, ou de o PCP, não terem um só chefe de governo da sua cor política no Conselho Europeu.
3. “Os eurodeputados socialistas do PSE só mudaram de posição no próprio dia da votação”: esta afirmação é simplesmente falsa: a mesma emenda (138/46) que acabou por inviabilizar o acordo com o Conselho em plenária no dia 6 de Maio tinha sido aprovada com 40 votos contra 4 em comissão especializada (ITRE) no dia 21 de Abril – com os votos dos Socialistas, que se limitaram a reiterar esta posição na véspera (e não "no próprio dia"...) da votação em plenária.
Finalmente, Rui Tavares zanga-se por eu “menosprezar como “periféricos” os grupos que afinal foram percusores: a Esquerda e os Verdes”. E acha injusto eu sublinhar que o PC e o BE estão juntos no GUE, porque eu devia saber “perfeitamente das profundas diferenças entre BE e PCP em matéria europeia – europeísmo do BE vs. soberanismo do PCP”.
Se Rui Tavares voltar ao que eu escrevi, notará que eu não classifiquei os Verdes de “periféricos”, mas sim o GUE. É que os Verdes, precisamente por causa do seu impecável ADN europeísta, estão bem no centro dos debates do PE, e compensam bem a sua reduzida dimensão com um trabalho notável do ponto de vista dos conteúdos. Eu sei isso bem, porque tive o privilégio de trabalhar com Deputados(as) Verdes nas Comissões de Assuntos Externos e de Desenvolvimento, e na Subcomissão de Segurança e Defesa, onde a sua voz crítica mas construtiva enriqueceu inúmeras vezes o debate. Não tenho vergonha de assumir que algumas vezes cheguei a votar com os Verdes contra o meu próprio grupo em questões de desarmamento nuclear e direitos humanos.
E é aqui que é preciso separar as águas. O GUE onde, repito, estão juntos o PC e o BE, insiste em distinguir-se pela repetição de chavões “pacifistas” e “anti-imperialistas” que têm muito pouco a ver com o papel e as responsabilidades da União Europeia no mundo. Talvez isto desagrade a Rui Tavares mas, infelizmente para ele, o “europeísmo” do BE é de tal maneira compatível com o “soberanismo” do PCP, que ambos continuam alegremente de mãos dadas no GUE votando contra tudo, repito, tudo, o que sejam posições do Parlamento Europeu a apoiar o aprofundamento da partilha de soberania entre Estados Membros na área da defesa europeia, por exemplo.
Nada me agradaria mais do que ver o BE ganhar coragem para abandonar o GUE à sua sorte, juntando-se, por exemplo, aos Verdes, esses sim verdadeiramente europeístas. Mas enquanto o BE estiver na família política do PCP no Parlamento Europeu, Rui Tavares não pode ficar ofendido quando alguém lembra os eleitores que votar num ou noutro partido é indiferente.