RESPOSTA AO RAPAZ QUE SE ACHA TÃO ESPECIAL
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RESPOSTA AO RAPAZ QUE SE ACHA TÃO ESPECIAL


No post que escrevi sobre os masculinistas, entre as dezenas de aberrações em forma de comentários que recebi (os repetitivos eu apaguei), este me chamou a atenção. É de um tal de Lord Insanus (nome bastante adequado). Não alterei nada no comentário, tudo sic, nem a paixão pelas maiúsculas:

Olha só, EU NÃO SOU FEMINISTA NEM MASCULINISTA. Acho que as mulheres devem ter sua liberdade(inclusive o fim do casamento arranjado foi ótimo PARA HOMENS E PARA MULHERES QUE NÃO SÃO MAIS OBRIGADOS A CASAR À FORÇA PELOS PAIS), contudo POR EU POSSUIR A MINHA LIBERDADE ASSIM COMO AS MULHERES TEM AS DELAS eu não me casaria com uma mulher vadia (sim elas existem!!!). Então se uma mulher resolver sair por aí curtindo o sexo à toa bom pra ela (eu até gosto, teria mais opção sexual), mas nem por um acidente eu me casaria com uma mulher assim (POR ESCOLHA PESSOAL MINHA E SOMENTE MINHA) assim como, segundo vocês mesmas dizem não gostam de homens cafajestes. E NÃO VEJO NENHUM MACHISMO NA MINHA ATITUDE POIS É UMA QUESTÃO DE ESCOLHA E DE LIBERDADE PESSOAL”.

Adoro quando alguém fala um amontoado de besteiras e termina dizendo “Não vejo nenhum preconceito/machismo/racismo/homofobia/gordofobia etc etc na minha opinião/atitude porque é só minha escolha pessoal”. Bom, começando, porque estou curiosa: o que é uma “mulher vadia”? Você certamente acredita que elas existem, ou não teria jogado fora três pontos de exclamação. Uma mulher vadia é uma que gosta de sexo? Imagino que não, pela sua definição. Afinal, suponho que quando você estiver casado com a sua esposa recém-saída da virgindade, você achará de bom tom que ela goste de sexo (só com você, lógico). Então uma mulher vadia deve ser a que tem vários parceiros. Quantos, assim? Há uma fórmula exata, uma equação que a gente possa fazer pra determinar cientificamente se uma mulher é ou não vadia? E se a mulher tiver mais de um parceiro ao mesmo tempo, ela é mais vadia que uma mulher que tenha 24 parceiros por ano, digamos, dois por mês? E se de repente ela pular algum mês, ela deixa de ser vadia naquele prazo? Não, né? Aposto que não importa se ela teve vinte parceiros num ano e depois apenas um pelos próximos 50 anos. O que conta são aqueles vinte. Porque fazer sexo deve gastar muito! E também, imagina você, a mulher que transou com dois ou cinco ou vinte ou cem deu pra eles, permitiu ser usada. Como mulher não gosta de sexo, pregam os mascus, ela só pode ter transado esperando alguma coisa em troca. E não há a menor possibilidade que ela quis, que ela procurou, que ela não foi passiva (“dar” é uma palavra meio passiva, não acha?), que ela “usou” tanto ou mais do que “foi usada”. Aliás, falar em uso já remete a essa ideia absurda de gasto. Vou revelar um segredo pra você: a gente (nem homens nem mulheres) não nasce com um número máximo de transas, com um placar oculto que fica marcando quantas vezes a gente foi pra cama com alguém. Não é assim que funciona. E nossos órgãos sexuais são bem elásticos. Eles não gastam não, coração.
E se já é difícil decifrar o que diabos seria uma mulher vadia, eu gostaria de saber o que é um homem vadio. Ele existe? Porque eu desconfio (e recomendo que você faça o mesmo) de termos que só existem para um dos gêneros, sabe? Inclusive quando há tantos termos ofensivos para mulheres baseados apenas na sua sexualidade (por exemplo, existem duzentos termos em inglês pra chamar mulher de promíscua, e só vinte para o homem -- sendo que os termos pros homens são elogiosos, não ofensivos!). Mas, pra falar a verdade, eu nunca conheci alguém que use termos como “vadia”, “vagabunda”, “piranha”, “galinha” que acredite que a liberdade sexual das mulheres deva ser a mesma que a dos homens. Não. Pessoas que empregam esses termos costumam crer que mulheres não gostam de sexo, apenas o toleram, que homens têm alguma missão incontrolável de espalhar a sementinha (e vocês contam com toda uma ciência pra dar suporte a esse conceito), e que é assim que os homens são (e que as mulheres não são), então fazer o quê? Se você nasce com um pênis, você recebe uma espécie de certificado de privilégio de poder transar com quem e quantas (quantos é outra história) quiser sem ser julgado por isso. Claro, talvez seus amigos te critiquem se você transar com uma mulher fora do padrão de beleza. Mas você certamente não ficará mal falado por isso, principalmente se compensar com uma mulher bonita pra exibir. Já as mulheres precisam cuidar de suas vaginas como se tivessem a chave do tesouro secreto. Devemos ser super-duper-hiper seletivas porque, né, a gente não pode entregar esse tesouro pra qualquer um. Porque vagina é diferente de pênis. Vagina a gente só tem uma, enquanto o homem tem uma infinidade de pênis. Opa, desculpe, me confundi com as sementinhas. Porque tudo na nossa vida sexual é movido pelo instinto de engravidar (e já falei da ciência que vocês têm pra validar essas ideias?).
Esse modelo de sexualidade que você defende até podia combinar com os anos 50. Mas meio século depois, ele soa um tanto datado. A virgindade de uma mulher ainda era assunto quando eu era adolescente, na década de 80. Hoje, felizmente, vejo cada vez menos gente dando importância a esse “lacre de validade”. Só gente muito, muito conservadora, da espécie que acredita que o mundo era lindo e maravilhoso até os anos 60, e que hoje, depois de todas as reinvindicações por direitos iguais das minorias, ele está um lixo.
Agora vamos falar do orgulho que você demonstra por ter sua liberdade baseada unicamente na sua escolha pessoal. Desculpe te decepcionar, mas por que você se acha tão único e individual, cara pálida? Quem colocou na sua cabecinha que as suas opiniões são suas? Você faz o que o senso comum te manda fazer desde o seu primeiro dia de vida, que é igual ao que falavam pro seu pai e sua mãe fazerem, e se estende aos seus avós e bisavós, e você pensa, “Putz, graças a deus que tenho minhas escolhas pessoais!”?! Sério que você faz exatamente tudo que te mandam, tudo que teus pais fazem, tudo que a mídia ensina assim que você liga a TV, e você ainda se considera livre?
Além do mais, há diferenças entre seguir a sua “escolha pessoal” (que de pessoal não tem nada) e decidir que você só quer casar com uma mulher virgem porque você é inseguro pra caramba e não admite comparações e chamar de vadia qualquer mulher que não seja virgem. É aquele negócio: você pode não se sentir sexualmente atraído por uma mulher gorda porque o seu “gosto pessoal” foi construído em cima de um padrão de beleza absolutamente estanque. Tudo bem. Você não precisa transar com uma mulher gorda (ela provavelmente nem está muito a fim de você). Mas daí a sair xingando uma mulher gorda ou xingando quem transa com uma mulher gorda vai uma certa distância, não acha?
Mas você quer tudo. Você quer chamar mulheres que saem “por aí curtindo o sexo à toa” de vadias e não aceita ser chamado de machista. Aí já não é possível, filho. Você tem todo o direito a sua “escolha pessoal”, mas você deve entender que há consequências. Dividir mulheres entre as boas pra casar e as boas pra transar é machismo. Achar que você pode sim curtir o sexo à toa, por ser homem, mas mulheres não podem, é machismo. Até pensar que mulheres que gostam de sexo vão necessariamente querer transar com você (o que você quer dizer quando menciona que teria mais opção sexual) é machismo.
Portanto, ache o que quiser, case com quem quiser, mas seja honesto: não se considere tão especial. E, minha dica: apague do seu vocabulário termos ofensivos referentes à sexualidade feminina. A menos que você não se incomode de ser chamado de machista.




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