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Revolta contra a mentira
Os espanhóis votaram contra a mentira, contra o cinismo e contra a manipulação. Mais do que a vitória do PSOE nas legislativas de domingo, o mais significativo e exemplar foi a elevada participação eleitoral e a rejeição do abuso da boa-fé dos cidadãos, cometido pelo partido no poder, o PP, depois dos atentados terroristas de quinta-feira.
A odiosa ETA servia claramente os objectivos eleitoralistas do PP. Todos os espanhóis civilizados estavam unidos e imunizados contra a organização terrorista basca, responsável por uma interminável sequência de crimes. Só que a assinatura real e directa dos massacres ferroviários não era da ETA mas da Al-Qaeda e, para o PP, isso não convinha que se soubesse a tempo das eleições. Mas soube-se – e isso também fez toda a diferença. Despertou os abstencionistas e levantou o ânimo cívico dos espanhóis contra a mentira oficial.
A ironia é que, à partida, o PP tinha todas as condições para sair vitorioso das urnas, porventura com maioria absoluta. O governo Aznar era celebrado por toda a Europa devido à sua performance económica, o PSOE não parecia oferecer uma alternativa consequente e sólida – e, finalmente, o clima de insegurança suscitado pelo terrorismo tendia a favorecer, como é tradicional, a reedição de uma maioria de direita.
Mas há uma coisa que, para além da boa-fé, não é possível explorar impunemente: é a dor. A dor de um povo atingido pela barbárie e vê depois essa dor ser instrumentalizada como um argumento eleitoral, objecto de uma mentira e uma impostura obscenas.
Tudo começou, se bem estamos lembrados, com outra mentira de proporções inéditas e que George Bush e os seus aliados europeus exploraram de forma indecente para justificar a invasão do Iraque. Tal como a ETA não tinha exactamente a ver com a Al-Qaeda, Saddam Hussein não era propriamente um aliado directo de Bin-Laden. Mas isso pouco importava, pouco importou, tal como a ficção das armas de destruição maciça supostamente existentes no Iraque.
A grande lição de civismo e maturidade democrática que nos chega de Espanha será suficiente para fazer escola noutros países, onde idênticos abusos da boa-fé dos cidadãos têm sido impunemente cometidos? Este é um ano de muitas eleições, a maior parte sobretudo “simbólicas”, mas algumas muito “práticas”, como é o caso das presidenciais americanas. Bush pagará, também ele, o preço da mentira? Esperemos ardentemente que sim.
Vicente Jorge Silva
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