Geral
Sem esquecer o básico
Édison Carlos, O GLOBO
Muita controvérsia paira sobre a Rio+20 e ninguém sabe ao certo como e o que acontecerá nestas duas semanas em que o mundo estará atento ao Brasil. São tantas as atividades, tantas autoridades e temas, que fica difícil saber ao certo, mesmo para aqueles mais interessados, onde ir, o que visitar, ao que assistir.
A expectativa não é fruto somente do bombardeio de informações que aumenta com a chegada da conferência, mas principalmente da relevância que o tema ambiental tomou em nossas vidas. Sabemos que os impactos na natureza transpassam as barreiras do meio ambiente e nos afetam em todas as demais áreas da vida, principalmente em nossa saúde.
As discussões sobre a Rio+20 são, portanto, muito pertinentes, mas a maior parte da população assiste à chegada da conferência sem entender bem o que esperar, se é que se pode esperar algo. Temos que aproveitar a oportunidade para debater os grandes temas internacionais - o futuro do clima, da energia, da água, da vida nas cidades, mas principalmente discutir a pobreza, o mais importante de todos os impactos ambientais.
Temos que chamar a atenção dos envolvidos para as graves lacunas que ainda separam os países, que perpetuam as desigualdades. É fato que somente o fator econômico não é suficiente para resolver os problemas, como o Brasil está provando. Avançar nos indicadores ambientais e sociais tem sido muito mais difícil do que melhorar a posição entre os países mais ricos. Melhorar estes índices depende fortemente dos poderes locais e da mobilização do cidadão sobre suas mazelas, da cobrança sem trégua às autoridades.
É fundamental que a Rio+20 olhe para o micro. Em muitos países ainda não se consegue dar ao cidadão menos favorecido o que existe de mais básico. Perpetuamos doenças da Idade Média e continuamos sendo vítimas de descasos históricos. A falta de saneamento básico é a melhor demonstração de que o essencial continua sendo deixado em segundo plano. Não dispor de serviços como água tratada, coleta e tratamento dos esgotos afronta a dignidade humana. Segundo a própria Organização das Nações Unidas, a falta desses serviços afeta mais de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo, particularmente as crianças, os pobres e os desfavorecidos. A ONU projeta que, a continuar assim, em 2015 serão quase 3 bilhões.
Os índices brasileiros são vergonhosos. Um em cada cinco brasileiros ainda não recebe água tratada; 55% da população ainda não têm suas casas conectadas a uma rede de esgoto e muito pouco do pouco esgoto coletado é tratado. Perdemos quase 40% da água tratada que deveria chegar às nossas torneiras. Como explicar que uma das maiores economias do mundo fique nesta situação, mantendo suas crianças à mercê de diarreia, cólera, hepatite, verminoses e tantas outras doenças da água poluída?
Pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas para o Instituto Trata Brasil em 2009 mostrava que, à época, quase 70 mil crianças entre 0 e 5 anos eram internadas por diarreia no país, e quase 220 mil trabalhadores tiveram que se afastar do trabalho por conta desse problema. Passaram-se 20 anos desde a Rio-92 e continuamos poluindo a pouca água que temos. De acordo com o último Atlas da Agência Nacional de Águas, publicado em 2011, 55% dos 5.565 municípios do país podem sofrer desabastecimento de água nos próximos quatro anos e 84% das cidades necessitam de investimentos para adequar seus sistemas produtores de água.
Então, o que pensar num cenário onde se estima um aumento da população, projetado no Atlas, de 5 milhões de habitantes até 2025? Ainda segundo o estudo, seriam necessários R$ 70 bilhões apenas para melhorar, ampliar e proteger os sistemas produtores de água; uma boa parte disso para coletar e tratar os esgotos jogados indiscriminadamente nos mesmos locais de onde se retira a água para a população.
É impossível, portanto, falar em desenvolvimento sustentável enquanto perdurar esta poluição generalizada, vexatória em todos os sentidos. A solução não é simples, sabemos disso. São necessários muito recurso e muito investimento, mas o país não pode mais se esconder atrás das dificuldades. Levar saneamento básico a todos é o mínimo, uma obrigação em qualquer lugar do mundo. No Brasil estamos avançando, é verdade, mas ainda a passos lentos. Os recursos do PAC, tão importantes para mudar este cenário, ainda não conseguiram ser essa alavanca, mesmo após cinco anos de programa.
Nestes dias em que celebramos a natureza e a Rio+20, nos cabe torcer para que a salvação da natureza venha com debates que apontem caminhos para reduzir a desigualdade, a pobreza, a desinformação e a inércia, tanto do cidadão quanto das autoridades. Para o Brasil, torcer para que as autoridades discutam o básico, o essencial. Que se dediquem às carências mais imediatas do nosso povo. Se só isso for conseguido, a Rio+20 já terá sido um sucesso e deixará o tal legado de que tanto ouvimos falar, mas que nunca conseguimos testemunhar.
Édison Carlos é presidente do Instituto Trata Brasil
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