SOBRE HOMENS DAS CAVERNAS
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SOBRE HOMENS DAS CAVERNAS


No final da semana passada um carinha que se auto-intitula Mito da Caverna leu o meu post sobre o colunista da revista Trip que estuprou a empregada. Platão escreveu: “Vai lavar louça que você ganha mais, sério...”. Pô, isso nem criativo é! Num dos comícios da Hillary, dois machões ergueram um poster escrito “Passe minhas camisas, vadia”. Ou seja, é comum. É um modo de dizer que o nosso lugar é na cozinha e que a gente não não tem nada pra falar sobre qualquer coisa que não inclua afazeres domésticos. Eu só pude responder pro Mito: “Vai aproveitando o seu privilégio masculino, que algum dia ele acaba... Sério”. (Algum dia eu escrevo sobre privilégio masculino, coisa que a maior parte dos homens vivencia todo dia sem nunca ter ouvido falar). Essa breve resposta aparentemente inspirou o Mito das Cavernas, que escreveu:

Agora sério... Até acho que [o colunista da Trip] tenha se perdido e que a história não é ficção, mas....o cara tá desabafando algo que aconteceu FAZ 32 ANOS! Ele é outra pessoa (era um garoto de m**** de 14 anos, portanto desmiolado e INIMPUTÁVEL em relação ao crime) e parece que o fato causa DOR E SOFRIMENTO a ele até hoje (tanto que não esqueceu e fez o renomado desabafo). Outra coisa que me chamou a atenção: ela [Luisa] tinha pelo texto algo entre 20 e 30 anos. Não saberia, a esta altura da vida, desdobrar 2 moleques punheteiros de classe média? Vão me desculpar, mas duvido que ela tenha dado APENAS por medo de perder o emprego. Existem muitos casos que podem ilustrar bem o que o abaixo assinado defende, mas não este. O que querem? Que ele seja apedrejado em praça pública? Acho que a turma - 2/3 do congresso - que recebia mesadinha do seu Lula (dinheiro público desviado de maneira fraudulenta de estatais) para aprovar o que o governo quisesse deveria ter causado mais revolta na sociedade...

Pra começar, o último argumento é um dos meus preferidos. É um tal de “Como você pode gastar tanto tempo falando nisso? Eu ordeno que você fale desse outro assunto, porque pra mim é muito mais importante!”. Esse eu ouço toda vez que defendo direitos dos animais, por exemplo. Sempre aparece alguém pra esbravejar: “Por que você não está defendendo crianças?”. O curioso é que essa gente que reclama nunca mexeu um dedo nem por crianças nem por animais. E deve achar que as pessoas não conseguem reclamar de mais de uma coisa ao mesmo tempo. E come on, né? Comparar a repercussão que teve o mensalão com esta derrapada feia da Trip é ridículo.
E sabe por que o artigo da Trip mal apareceu na grande mídia? Porque ela é comandada por homens, que acham o caso tão pouco irrelevante quanto você acha, Mito. Isso e, claro, um interesse corporativo em jamais falar mal de outro veículo. O caso da empregada repercutiu apenas nos blogs, a chamada mídia alternativa. Mas vou te contar: seu comentário é quase tão asqueroso quanto o artigo original. Coitadinho, o colunista tá sofrendo até hoje por ter estuprado a empregada?! Puxa, como ele sofre! Tanto que consegue fazer gracinhas com o ocorrido, e recomenda que Luisa faça o mesmo. Opa, mas aposto que Mito não chama aquilo de estupro. No seu comentário não consta a palavra estupro, e nem no artigo da Trip. Porque forçar uma mulher a transar com dois caras não é estupro, lógico! É o quê, então? Sedução? Tesão? É, Mito, você insinua que Luisa quis transar com os “dois moleques”, já que, na tua visão, uma mulher entre 20 e 30 anos conseguiria desdobrá-los (o que significa isso?). Os estupros que acontecem todos os dias por aí devem ser todos com menores de idade, porque mulher adulta consegue espantar seus agressores (e dois ao mesmo tempo!), na boa. Pro Mito, não existem estupros no mundo. Não é que Luisa foi violentada, ela que “deu” pros rapazes. E deu porque quis, não apenas por medo de perder o emprego. Puxa, que outras razões altruístas Luisa poderia ter tido pra ser estuprada, quero dizer, pra dar? Ah, claramente ela devia arrastar uma asinha pro filho branco de seu patrão. E que amor, ele trouxe um amiguinho também! Devia ser uma fantasia incontrolável da Luisa transar com dois caras! Ou talvez a fantasia dela fosse tirar a virgindade de dois guris de 14 anos (se bem que em nenhum momento do artigo há referência à inexperiência deles). De mitos você parece entender bem, Mito das Cavernas: todo estupro evidentemente não passa de uma fantasia sexual da mulher!
Mito menciona o abaixo-assinado que eu já assinei. Mas o comentário platônico/cavernístico não é de todo inútil. Ele pergunta o que queremos. E isso eu não sei responder muito bem. A essa altura do campeonato, em que estamos revoltadas com o mais recente caso de violência contra mulheres, o artigo do colunista quase parece insignificante. Quase - se não estivesse ligado com o assassinato de Eloá. Se não fizesse parte do mesmo esquema. Porque em ambos os casos houve violência de homens contra mulheres. Em ambos os casos homens inventaram atenuantes pra justificar a violência (Lindemberg estava apaixonado, é uma história de amor; Henrique estava com tesão, é coisa de adolescente, e ele não estuprou ninguém - Luisa é que “deu” pra ele; inclusive, é tudo ficção, "esqueçam o que escrevi"). E em ambos os casos mulheres acabaram feridas. Algumas mais, outra menos. Lembrei de outro caso de violência contra mulheres: a dos cinco rapazes ricos que espancaram a empregada doméstica Sirlei, no Rio, em junho do ano passado. A justificativa deles foi que pensaram tratar-se de uma prostituta. Porque bater em prostituta pode! E aí voltamos a Eloá, que mais de uma comunidade no orkut acusa ser "uma p**a". Na lógica desses homens tão acostumados a exercer a violência, ela mereceu ser morta por não ser santa.
Enfim, o que nós mulheres queremos é óbvio: que essa violência contra nós acabe, ué. É pedir demais? Mas nenhuma de nós é ingênua em achar que, só porque estamos reclamando, a violência vai acabar. Acontece que é muito melhor que ficar calada. Agora, quanto aos agressores, posso falar por mim. Sou contra a pena de morte. Não quero que Lindemberg seja morto, mas quero que ele fique preso por 35 anos. E que o caso dele (na verdade, de Eloá e Nayara) suscite toda uma nova discussão em torno do “quem ama não mata”. E que talvez essa nova discussão chegue aos ouvidos de outros homens que ameaçam suas mulheres, e façam com que reflitam (e talvez façam com que as mulheres fujam já, se é que fugir é possível). No caso do colunista, apedrejado ele já foi. Mas nós mulheres não apedrejamos literalmente. Ele recebeu mais de 600 recados. Deve estar se sentindo o cretino que é. Eu, de minha parte, não vou ver o filme que ele está fazendo. Boicotar a Trip é fácil, já que eu não costumo ler aquela revistinha. Mas acho que ela deve uma resposta melhor, menos covarde, pras mulheres que ofendeu. O que o abaixo-assinado pede é que o texto seja publicado na íntegra na revista. É só um jeito de dizer “estamos de olho”, e "vocês não vão poder continuar impunemente fazendo apologia à violência contra nós".
Sabe o quê que é, Mito? É que não precisamos ter saco pra estar de saco cheio.




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