Sombra chinesa - MÍRIAM LEITÃO
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Sombra chinesa - MÍRIAM LEITÃO


O GLOBO - 29/06

O presidente do Banco Central da China, Zhow Xiaochuan, apareceu pela primeira vez desde o início dos distúrbios no mercado financeiro para dizer que "a China vai garantir o dinheiro suficiente para a economia" e que vai usar "todas as ferramentas e métodos" para superar a crise que assombrou o mundo nos últimos dias: uma escassez de dinheiro que fez disparar o interbancário chinês.
Esse novo risco assusta por todos os motivos: a economia chinesa é pouco compreendida e muito relevante para o mundo. Os juros do interbancário - mercado de empréstimos entre os bancos - triplicaram. Com a atuação do BC da China, eles caíram um pouco, mas o custo dos empréstimos ainda está o dobro do que eram.
Os bancos chineses desconfiam uns dos outros. Isso é que levou ao travamento desse mercado e à elevação dos juros. Expressões como "congelamento do crédito", "colapso do crédito" e até "corrida bancária" aparecem em relatórios de bancos e consultorias internacionais, embora tudo esteja no campo das probabilidades.
A falta de transparência chinesa pode provocar temores exagerados, mas, de qualquer maneira, há dados que sustentam o pessimismo.
A injeção de crédito foi um dos pilares de sustentação da economia chinesa depois da crise de 2008.
Segundo o Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, a relação crédito/PIB no país saltou de 125% para 200% nesse período. A desconfiança, agora, é que durante esse boom muitos empréstimos tenham negligenciado riscos. A centralização da economia nas mãos do governo torna qualquer análise nebulosa. A maior parte do crédito que gira pela economia chinesa vem dos bancos públicos.
As decisões sobre os empréstimos são políticas, e isso fez com que se criasse um mercado paralelo de empréstimos. Quem consegue dinheiro barato acaba emprestando a quem não consegue, cobrando uma taxa maior.
Como esse é um mercado sem regulação, ou seja, está "na sombra", os bancos não sabem quais estão expostos aos riscos. Todos desconfiam, e isso faz os juros subirem.
Na segunda-feira, esse receio fez com que a bolsa chinesa tivesse a maior queda diária em três anos, com um tombo de 5,3%. O índice Hang Seng das principais empresas listadas na bolsa de Hong Kong voltou ao nível mais baixo desde abril de 2009.
Os juros cobrados pelos bancos para emprestar entre si - no interbancário - subiu para 13% na semana passada, a máxima histórica em uma das modalidades de crédito. Depois, caíram um pouco, graças à intervenção do BC.
Juros mais altos no interbancário por um período prolongado acabam chegando à economia real porque contaminam o crédito para consumo e investimentos.
Podem acentuar a redução do ritmo de crescimento chinês.
Engana-se quem pensa que tudo é distante. A economia brasileira está exposta à economia chinesa através do comércio, do mercado de commodities.
Qualquer espirro lá afeta a Vale e muda os dados das contas externas brasileiras, que já estão com um déficit de 3,2% do PIB na conta corrente. O mundo inteiro ficou mais dependente da China e acompanha com lupa o período de transição para um novo patamar de crescimento em que ela está.
O que pioraria tudo seria um evento de crédito.
Numa economia tão estatizada e com tanto poder de intervenção, a tendência é sempre achar que o governo evitará tudo. Não é tão simples. É uma economia híbrida, tanto que o interbancário deu o salto que deu. O presidente do BC disse que os mercados financeiros têm sido muito sensíveis e "reagem rapidamente a qualquer sinal que detectam".
Disse que eles ajudam a encontrar os problemas e resolvê-los. Ou seja, o presidente do BC chinês admite que há problemas.




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