A vitória do Syriza este fim-de-semana é histórica para a Grécia e para toda a Europa. É uma vitória da democracia, como todos terão de reconhecer, incluindo os que tudo fizeram para intimidar e condicionar o voto dos gregos, como o governo alemão.
Mas, acima de tudo, é um claríssimo sinal de que a Europa tem de mudar.
O povo grego ergueu-se contra a humilhacao e o sofrimento que lhe estão a ser impostos e veio dizer que quer um caminho alternativo.
É uma salutar chicotada democratica dada a uma Alemanha que hoje domina a Europa, embalada pela sua própria prosperidade e pelas patranhas que lhe vendem os seus governantes de que está a salvar os pobrezinhos dos "pigs" sulistas, enquanto o que verdadeiramente faz é salvar os ricos bancos alemães dos seus próprios desvarios.
Mas importa que a escolha dos gregos se transforme num verdadeiro terramoto político e acelere o abandono do fanatismo austeritário que tão devastador tem sido para a Europa e para a Democracia europeia.
O reconhecimento do falhanço da receita austeritária já está explícito no programa de investimento publico que a Comissão Juncker acaba de lançar e que implica uma leitura flexível do chamado Pacto Orçamental. E já está explícito nas medidas que o BCE finalmente anunciou de injecção de liquidez na economia, por via de compra directa de obrigações do tesouro aos Estados Membros da zona euro, fazendo uma interpretação extensiva do seu próprio mandato, apesar da oposição da Alemanha.
Mas tudo vai agora depender do respaldo que o novo governo grego venha a encontrar na Europa e em particular nos países que mais estão a sofrer com a crise.
Há pouco mais de uma semana, escrevia o já velozmente empossado Primeiro Ministro Tsipras, num artigo de opinião no El País, que a mudança tinha de vir do sul. Muito do que acontecer daqui para a frente - e espero que o Syriza saiba estar à altura das suas responsabilidades no governo em Atenas e na governação da União Europeia - vai depender da forma como actuem agora os governos dos outros países do sul da Europa também brutalmente afectados pela crise.
Do Governo Passos Coelho e Portas, porém, não temos a esperar senão mais do mesmo: o talibanismo do bom aluno servil junto da Senhora Merkel e o oportunismo despudorado, quando toca a colher os beneficios das mudanças que antes disse impossíveis e até combateu: é a atitude de incentivo e contribuição zero ao programa Juncker e ao programa de "quantitative easing" do BCE, transformada subitamente, a posteriori, com PM e VPM a procurarem cavalgar e capitalizar as mudanças. Sobre o que a Grécia disse querer nas urnas, ouvimos já Passos Coelho escarnecer, vergonhosamente, como "conto de crianças". Ele prefere os contos de terror que os portugueses têm a contar da sua governação....
Ora, já que a voz do Governo português não se ouve em Bruxelas ou Berlim, ou só se ouve para ecoar a melodia ilusória de que "Portugal está no bom caminho" que convém à Senhora Merkel para continuar a levar no engodo o povo alemão, é imperativo que se faça ouvir a voz da oposição portuguesa, e do PS em particular, desmentindo a narrativa mentirosa, expondo os reais efeitos da crise em Portugal e apoiando a mudança radical que Tsipras quer promover.
Nada vai ser mais central do que o que fazer à dívida soberana, que na Grécia como cá aumentou exponencialmente com as troikas do austeritarismo e do empobrecimento forçado. A Grécia pode precisar de mais um perdão da dívida que é totalmente impagável, já esta acima dos 170 % do PIB - e não será nada de novo já teve duas, em 2010 e 2012 com acordo europeu. Portugal precisa certamente de renegociar a sua dívida, que hoje acima dos 130% constitui uma canga arrasadora dos esforços feitos pelos portugueses para sair da crise.
A solução para não pode mais ser fragmentada, tem de ser europeia e reforçar em vez de enfraquecer o euro: precisamos de um Fundo Europeu de Redenção para gerir e amortizar colectivamente as dívidas públicas europeias, incluindo a alemã que também esta acima dos convencionados 60%.
Não podemos deixar que se empurre para fora da UE a Grécia, como alguns maldosamente querem. É preciso fazer compreender ao povo alemão que sem Grécia e sem euro lá se acabaria a sua galinha dos ovos de ouro.
Qual Grexit, qual carapuça! Só salvando o euro, salvaremos a Europa.
(Notas transcritas da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)