Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior:Finalmente, uma agencia de risco internacional atende aos clamores da mídia brasileira e endossa a ‘percepção’ de um país em ‘espiral descendente’.
Não importam as flutuações estatísticas; avalia-se com indiferença o vigor do mercado doméstico; desdenha-se do denso feixe de obras de infraestrutura e logística social em marcha na economia.
É só mais uma evidência do governo gastador e intervencionista.
A inflação em baixa, o investimento em alta, que deixaram zonzos os analistas da linearidade ortodoxa nas últimas horas, nada mereceu o destaque atribuído ao carimbo negativo com o qual a Standard & Poor’s revisou a ‘perspectiva da nota de longo prazo’ atribuída ao país.
Atenção para o detalhe: ‘perspectiva da nota de longo prazo’.
É o velho truque da profecia autorrealizável, que os tambores locais engrossam em repiques sôfregos e escaladas gulosas, numa espécie de ‘agora vai’.
A manchete de 'O Globo', desta 5ª feira, em letras garrafais, no alto da página, saboreava o acepipe. Idem a do 'Estadão'.
Mas a fita métrica da credibilidade é crível?
Que grau de confiança desfruta a própria Standard & Poor's, aqui tratada como um Moisés a rugir seu 11º mandamento: 'o Brasil fracassará'?
Ignora-se a folha corrida da fonte.
A causa comum tudo justifica.
A saber: joelhar o Brasil outra vez no altar dos mercados internacionais; interditar a formação do discernimento da sociedade sobre os problemas reais vividos pela transição do desenvolvimento brasileiro.
A convergência ortodoxa une sob a grife interesses da mesma cepa.
É forçoso iluminar o DNA dessa endogamia.
Com a palavra, o economista Paul Krugman que , em agosto de 2011, atribuiu peso e medida à venerável instituição do mercado que acabara de rebaixar, também, a nota dos EUA .
Trechos do artigo de Krugman, ‘Credibilidade, cara-de-pau e dívida’:
“Para compreender todo o furor envolvendo a decisão da Standard & Poor’s, a agência de classificação de crédito, de rebaixar a nota dos títulos da dívida americana, é preciso ter em mente duas ideias aparentemente (mas não de fato) contraditórias.
A primeira é que os Estados Unidos não são mais o país estável e confiável de antes.
A segunda é que a própria S&P goza de credibilidade ainda menor; é o último lugar de onde alguém deveria esperar avaliações sobre as perspectivas do país.
Comecemos com a falta de credibilidade da S&P.
Se há uma expressão que descreve a decisão da agência de classificação de crédito de rebaixar a nota dos EUA, esta é a cara de pau – definida pelo exemplo do jovem que mata os pais e então implora por clemência alegando ser um órfão.
Afinal, o imenso déficit orçamentário dos EUA é em grande parte resultado de um declínio econômico que se seguiu à crise financeira de 2008.
E a S&P, juntamente com as demais agências de classificação de crédito, desempenhou papel importantíssimo na precipitação dessa crise, concedendo notas AAA a ativos lastreados em hipotecas que desde então se transformaram em lixo tóxico.
Mas as avaliações incompetentes não pararam por aí. Num episódio agora famoso, a S&P concedeu ao Lehman Brothers, cujo colapso deu início a um pânico global, uma nota A até o mês da sua quebra.
E qual foi a reação da agência depois que esta empresa foi à falência? Ora, a S&P publicou um relatório negando ter feito qualquer coisa de errado.
E são estas as pessoas que agora dão sua eminente opinião sobre a credibilidade dos Estados Unidos?
Espere só, a coisa não para por aí. Antes de rebaixar a nota da dívida americana, a S&P enviou ao Tesouro dos EUA um rascunho do seu comunicado à imprensa.
Os funcionários americanos logo repararam num erro de US$ 2 trilhões nos cálculos, algo que qualquer especialista em orçamento teria calculado corretamente.
Depois de certo debate, a S&P reconheceu o erro e rebaixou a nota mesmo assim.
Num ponto mais amplo, as agências de classificação de crédito nunca nos deram motivo para levar a sério suas opiniões sobre a solvência nacional. É verdade que, em geral, os países que declararam moratória tiveram suas notas rebaixadas antes da consumação desse fato.
Mas, nesses casos, as agências de classificação apenas seguiram os mercados, que já tinham se voltado contra esses devedores problemáticos. E, nos raros casos em que as agências rebaixaram a nota de países que ainda tinham a confiança dos investidores – como os EUA hoje -, elas se mostraram equivocadas.
Devemos lembrar do caso do Japão, que teve a nota de sua dívida rebaixada pela S&P em 2002. Ora, nove anos mais tarde, o Japão ainda consegue obter empréstimos com facilidade e a juros baixos.
Na verdade, na sexta-feira, os juros sobre as obrigações japonesas com prazo de 10 anos eram de apenas 1%.
Assim, não há motivo para levar a sério o rebaixamento da nota da dívida americana na sexta feira. Estamos falando das últimas pessoas de quem deveríamos aceitar conselhos”.
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