Por Marco Aurélio Weissheimer, no blog RS Urgente:O jornal Zero Hora publicou um editorial neste sábado (22) manifestando “estarrecimento” pelo que chama de “ataque desfechado pelo governador Tarso Genro ao jornalismo investigativo”. O editorial acusa o governador de sustentar uma posição que “tende a interessar mais aos corruptos do que aos cidadãos”. ZH acusa Tarso também de querer “restringir preventivamente a liberdade de imprensa” e o trabalho da “imprensa livre e independente”, no momento em que “o país passa por uma limpeza ética”.
Na quinta-feira, em meio a uma conferência proferida no Congresso do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Tarso Genro criticou as práticas jornalísticas que denunciam, julgam e condenam, pretendendo substituir as instituições republicanas que têm essas atribuições. A RBS reagiu no mesmo dia, acusando o governador gaúcho de querer “censurar o jornalismo investigativo”.
“A reação violenta da RBS”, declarou o governador Tarso Genro à Carta Maior, “parece querer interditar o debate e o faz através da manipulação da informação sobre a conferência que proferi no Congresso do Ministério Público”. “Essa conferência versa sobre um tema que vem sendo debatido em todo o mundo há mais de vinte anos e que aqui no Brasil ocorre no âmbito da academia e em setores da intelectualidade fora da academia: a superposição das instituições “de fato”, oriundas da força econômica do capital financeiro – agora em crise – sobre as instituições do Estado”. “Ela sequer versava”, acrescentou, “sobre alguma empresa de comunicação em particular ou sobre alguma investigação jornalística, ou, ainda, sobre a liberdade de informar. Tanto é que eu digo claramente na minha exposição:
(…) Não proponho, em absoluto, qualquer controle da informação por parte do Estado. Nem a sonegação de informações relevantes, para que os processos e as investigações tenham ampla publicidade pela mídia que, de resto, pode cumprir o papel político que quiser dentro da democracia. Nem se trata, também, de alegar a existência de uma “conspiração” dos meios de comunicação contra a democracia e o devido processo legal. Trata-se de compreender que já vivemos um período da sociedade da informação em que os poderes de fato, no capitalismo tardio, estão se sobrepondo aceleradamente ao poder das instituições formais do Estado. Isso não ocorre somente em relação à mídia, mas também em relação a outros poderes fáticos oriundos da força econômica dos grupos privados.O governador acusou a RBS de querer interditar o debate manipulando o conteúdo de sua conferência ao “não publicar nem mencionar o trecho acima que dá sentido à toda a exposição”. “O que proponho – e isto está escrito também no texto da conferência – é uma união das instituições do Estado com os políticos sérios e honestos (que são a maioria em todos os partidos) para combater a corrupção, com mais condições técnicas para os inquéritos, reformas legais que acelerem os processos e os cumprimentos de pena”, afirmou Tarso. E acrescentou:
“O que faz reduzir a corrupção é a punição pelo Estado e não o justiçamento paralelo da mídia, nem as investigações dos repórteres, que obviamente podem ser feitos e devem ser feitos. Mas o produto destas investigações é matéria jornalística e é, portanto, mercadoria-notícia, não prova de crime”.
“Esta atitude da RBS, pretendendo interditar o debate com ameaças de campanhas difamatórias que estão subjacentes no mesmo editorial, marca o ápice da petulância e da arrogância que poucas empresas de comunicação têm a coragem de expor publicamente. Mentem, quando dizem que sou contra o jornalismo investigativo, quando o que sou contra é julgamento sumário de pessoas, independentemente de que sejam culpadas ou não. Mentem quando contrastam dois textos meus sobre assuntos diferentes, mesmo tendo, na Conferência, manifestação explícita da minha parte que confirma a minha posição de princípio a favor da total liberdade da imprensa e de respeito irrestrito ao trabalho dos jornalistas,” disse ainda o governador gaúcho.
Ainda segundo a avaliação do governador, “o sentido da avalanche de críticas que recebi está muito bem exposto no editorial de ZH desta manhã”. Mais precisamente, explicou, “está contido na expressão “limpeza ética”, de origem e marca bem conhecidos na história”. Recentemente na Europa Oriental se falava em “limpeza étnica”. Limpeza se faz num lugar sujo (a política e o país) e quem faz a “limpeza” é o virtuoso (a mídia), nós, humanos sujamos, por isso nem temos o direito de dizer que o processo judicial, o inquérito do Ministério Público e dos órgãos de controle, não podem ser superpostos por justiçamentos e linchamentos públicos, que transformam crimes comuns em crimes políticos e consequentes condenações políticas, sem direito de defesa com a mesma exposição e intensidade das acusações”.
“O editorial”, prosseguiu o governador, “chega a sugerir que estou tentando me proteger de futuras denúncias”. “É jogo sujo: eu poderia dizer, se fizesse o mesmo raciocínio, que quando eles atacam quem quer fortalecer o MP e o Judiciário, para evitar linchamentos públicos, eles estão protegendo corruptos que eles apoiam ou apoiaram. Mas, sinceramente não penso assim. Acho que eles não leram a integralidade da minha conferência e pensaram que ela era dedicada a eles”.
Por fim, Tarso Genro afirmou que não mudará um milímetro a relação que mantém com a RBS e nem com a imprensa em geral. “Essas controvérsias são boas para a democracia. Todos fulminaram sistematicamente Lula e o PT e a esquerda em geral, às vezes até com razão, e nós continuamos vivos e crescendo. Enfrentei seguidas manipulações da imprensa sobre as minhas posições quando Ministro da Justiça: caso da punição dos torturadores, caso Daniel Dantas, caso Battisti, caso Cacciola e nunca perdi a serenidade”. E concluiu:
“Na verdade o que temos com a grande mídia é uma divergência histórica de fundo: no ocaso do modelo neoliberal eles têm que substituir o alvo dos seus ataques, que era o “gigantismo” do Estado, agora é a corrupção e a política em abstrato, sem avaliar as suas origens e fundamentos, que, na verdade estão contidos na fraqueza das leis e das instituições, geradas pelo modelo econômico neoliberal, para combater o crime, a corrupção e o aparelhamento do Estado pelos grandes grupos econômico-financeiros, em detrimento da ampla maioria dos próprios empresários e sociedade em geral”.
* Matéria publicada originalmente na Carta Maior*****
Editorial do Zero HoraTribunal comunicacional
No momento em que o país passa por uma limpeza ética, decorrente da ampla divulgação pela imprensa de irregularidades no setor público, e comandada com firmeza pela presidente Dilma Rousseff, causa estarrecimento o ataque desfechado pelo governador Tarso Genro ao jornalismo investigativo. Ao fazer pronunciamento na sede do Ministério Público na última quinta-feira, em evento idealizado para discutir o combate à corrupção, o governador adotou uma linha de pensamento que tende mais a interessar aos corruptos do que aos cidadãos: alegou que as denúncias fariam parte de um procedimento inquisitório, de acordo com as convicções e os interesses das grandes cadeias de comunicação. Em vez de aproveitar a oportunidade para defender mecanismos de transparência e de prevenção de irregularidades na administração pública, como esperavam os organizadores do evento, Tarso Genro preferiu provocar a imprensa. De forma peremptória, como costuma fazer quando abraça uma causa simpática à ala mais atrasada de seu partido, ele acusou a mídia de formar o que chamou de “Tribunal Comunicacional”, pelo qual os réus estariam sendo expostos à sociedade.
Só não disse quem são esses réus. Seriam os ministros envolvidos em irregularidades que a presidente Dilma vem afastando dos cargos? Estaria a presidente cometendo a leviandade de dar crédito ao tal Tribunal Comunicacional? E a opinião pública, não reagiria com indignação se percebesse que há uma campanha contra seus representantes?
Até parece que o governador não está acompanhando a realidade do país. Com raras exceções, as denúncias de irregularidades cometidas por governantes, ministros e detentores de mandatos têm sido respaldadas por investigações de órgãos públicos ou por depoimentos de pessoas com participação direta nos escândalos. A mídia certamente comete erros – e, quando isso ocorre, tem que prestar contas tanto à Justiça quanto ao público, já que a credibilidade é a sua principal credencial –, mas a imprensa livre e independente continua sendo a principal garantia para a sociedade de que os agentes públicos atuarão de forma honesta e transparente.
Só não gosta de jornalismo investigativo quem tem alguma coisa a esconder ou quem tem vocação para o arbítrio. Basta observar como reagem setores incomodados com a divulgação de notícias sobre malfeitorias que cometem ou cometidas por seus aliados políticos. A primeira atitude desses grupos, invariavelmente, é propor mudanças na legislação que contemplem restrições à imprensa, tais como os chamados conselhos de comunicação, que alguns governos insistem em criar – e que, não por coincidência, também estão na pauta do Piratini.
Considerando-se esse contexto, percebe-se que não foi apenas um discurso equivocado este extemporâneo ataque do governador à mídia que vem denunciando falcatruas cometidas por homens públicos. Fica a impressão de que se trata não apenas de uma cautela de quem está no poder – e, por isso, sujeito ao exame da mídia independente –, mas também da intenção de restringir preventivamente a liberdade de imprensa, sustentáculo do verdadeiro tribunal comunicacional garantido pela Constituição e pela vontade do povo brasileiro.
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